De forma individual ou coletiva, elas criam estratégias simples para se sentirem mais seguras.
Silvia Bessa (texto)
Julio Jacobina/DP (foto)
Já não somos as mesmas. Os estupros noticiados no Recife geraram impacto sobre as rotinas das mulheres da cidade e têm modificado nossas rotinas. Pelo menos seis casos de estupro vieram a público desde o dia 16 de agosto. A partir de então, os relatos deixaram de ser isolados, narrativas daquelas excessivamente cautelosas. Passaram a ser indício de um sentimento novo que consome e mobiliza quem tem medo de se tornar uma vítima da covardia. Seja da Zona Norte, da Zona Sul. Uma jovem ou uma sessentona. Em duas horas de pesquisa, ouvi dez depoimentos para uma amostragem do quadro atual.
A dentista Tatiana Pinho, 35 anos, agora dirige com um spray de pimenta no colo. Já tinha o produto, mas o deixava em casa, no bairro de Apipucos. Passou a levá-lo na bolsa e, após ler a notícia sobre o ataque à estudante de medicina, no Parnamirim, o spray ficou mais perto das mãos. “Precisei chegar a esse ponto porque sei que sou do tipo de pessoa que, se fosse atacada, o estuprador poderia até me matar mas não me levava”, disse ela. “Me sinto mais segura com o spray”. É apenas uma das medidas adotadas pela dentista. As outras: se for buscar alguma amiga ou namorado, dá volta no quarteirão até que a pessoa vá ao seu encontro; se avistar homem com motocicleta por perto, arranca com o carro e acelera o passo ao final da aula, às 22h, na faculdade onde estuda.
Na Zona Norte, um grupo de amigas que faz aula de ginástica funcional no Parque da Jaqueira, só se desloca em grupo. A estudante do curso de Direito Mariana Serra costumava caminhar sozinha de casa até a aula. Perdeu o hábito e, assustada, depende agora da oferta de carona das amigas. A funcionária doméstica Cleidiane Alves, que é natural de Ribeirão, no interior, todos os sábados segue a mesma cartilha de Mariana, ainda que não a conheça: Cleidiane só circula em dupla com uma amiga que conheceu no ônibus intermunicipal. “Combinamos assim. Talvez fique mais difícil para eles”, desabafou.
Jakyele de Souza, moradora de Boa Viagem, Zona Sul, revelou como tem lidado com o momento. “Se eu vou resolver alguma coisa em um banco, tem de ser em um shopping. Só estaciono o carro em locais com estacionamentos pagos e só saio à noite em caso de necessidade”, contou. Outro dia, teve tanto medo de ser atacada por um homem que, ao ver um casal desconhecido, puxou conversa desconexa apenas para se sentir mais segura até que chegasse ao carro. A amiga Eduarda Melo tem a mesma prudência: “Já evitava sair à noite e evito ainda mais”. Redobra os cuidados quando está com a filha Maria Fernanda. A médica pediatra Cristiane Pinheiro também garante ter sido impactada: “Deixei de ficar falando com celular estando ainda dentro do carro e reforcei as minhas atenções quando vou descer do carro”, afirmou.
A dona-de-casa Lorena Boaventura, que mora há poucos meses no Recife, diz que a preocupação é tanta que só sai acompanhada. Ou seja, perdeu parte do direito de ir e vir na cidade por medo. “Peço para meu marido me levar em todos os lugares”, contou Lorena. Emannuelle Alexandre deixou de transportar as crianças para o colégio onde estudam, na Zona Sul, “com medo de assaltos e também por conta da onda de estupros”. Segundo ela, “com criança pequena, fica impossível correr ou prestar atenção no movimento da rua”. Grávida e mãe de um garoto pequeno, a dentista Marisa Aleixo Torres narra sua angústia: “A cadeirinha é sempre um momento de tensão porque faz com que nós, que temos filhos, fiquemos mais expostas”. E aí, já não só as mulheres, como os filhos pequenos, que estão sendo impactados pelos temores femininos.
Da estudante que foi atacada ao caso da idosa que foi atendida pelo Corpo de Bombeiros e encaminhada ao Hospital da Mulher domingo passado, há um intervalo de pouco mais de um mês. Podem haver mais ataques. A idosa ainda não formalizou a denúncia. Denunciar o crime demanda muita força de uma mulher. Compreende-se. Mas é exigência social importante para que pressionemos por mais políticas públicas e se acabe com a impunidade dos covardes.