05-10

 

Levantamento do Fórum Econômico Mundial aponta que o Brasil perde apenas para Chade, Bolívia e Venezuela.

Luce Pereira (texto)

Existem palavras que causam mal a quem pronuncia e a quem ouve, ainda mais se são crônicas e provocam estragos profundos, impedindo uma nação de atingir patamar de qualidade de vida compatível com o potencial produtivo dos seus trabalhadores. Aqui, a mais dramática entre todas atende pelo nome de corrupção, embora tenda a consolar saber que não se trata de um monstro com livre trânsito apenas no Brasil – passeia com desenvoltura pelo mundo, inclusive o mais industrializado e “civilizado”. Sofremos duramente com ela, sobretudo se acontece de cair o pano que esconde roubalheiras estratosféricas, porém o constrangimento torna-se mais agudo quando instituições internacionais resolvem traduzir o tema em porcentagem. Paciência, faz parte do preço a pagar pelo fato de o país seguir longe da maturidade necessária para lidar com ele. Eis o resultado, mais um entre tantos difíceis de digerir: de acordo com o índice de corrupção do Fórum Econômico Mundial, quando o assunto é esse o Brasil só está perdendo para o Chade, a Bolívia e a Venezuela, num universo de 168 pesquisados.
Na verdade, a imagem da América Latina permanece tão ligada à prática que das dez nações mais corruptas do ranking, cinco são do continente. Neste contexto, Venezuela e Bolívia lideram, Brasil e Paraguai seguem na mesma colocação e, numa zona menos espinhosa, a República Dominicana. Que este é o problema mais grave a ser enfrentado por governo e instituições brasileiros, nem precisaria ser dito em um relatório do Fórum divulgado em junho. Mas, somados, todos os alertas podem ajudar a sacudir o país quanto à necessidade de mudança, embora as dezenas de passeatas vistas desde os escândalos envolvendo grandes empresas como a Petrobras já tenham dado o tom e o tamanho da indignação. Seriam suficientes, assim como cair no velho lugar comum de dizer que o flagelo encontra-se instalado no DNA nacional, além de apelar para chavões do tipo “por mais ética na política”? De acordo com declarações recentes do historiador da Unicamp Leandro Karnal, não. “O controle da corrupção não pode ser travado nem com moralismo nem com cinismo”, disse ele – curto e grosso – condenando posturas complacentes com indivíduos e instituições que pecam justamente nesse sentido e assim destoam da decisão de ir às ruas protestar. Aí estaria o “cinismo”.
Independentemente das contradições na forma de lidar com o problema, o combate a ele exige um esforço nacional gigantesco, que nem todos os interessados parecem querer envidar. Por causa disso, vozes do Judiciário – a quem de fato cabe promover as transformações necessárias – falam um tom acima na tentativa de despertar até mesmo a própria instituição. Foi o caso da presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Laurita Vaz, em seu discurso de posse: “A corrupção é um câncer, retira a comida dos pratos das famílias, compromete o desenvolvimento do país, esvazia os bancos escolares”, frisou, tendo de um lado o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowiski, e do outro, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. A bem da verdade, não apenas isso: a corrupção torna o país, aos olhos de quem já a tem sob controle, um lugar destinado a cidadãos de quinta categoria, incapazes de declarar guerra ao maior inimigo.
Se o pensador italiano Norberto Bobbio estava certo ao afirmar ser escândalo apenas a corrupção que vem a público, é imprescindível o fortalecimento de instituições como a imprensa para abrir caminho à transparência. Escândalos não florescem onde há olhos atentos. Mas, por enquanto, o Brasil é apenas uma democracia contraditória – que berra contra o inimigo número um e lá adiante faz afagos, permitindo a ele cometer discretamente o mesmo delito. A opinião geral é de que, sem maturidade para lidar com o problema, não há saída – por mais que a população insista em ir às ruas deixar claro que não aguenta mais perder para o mesmo adversário numa luta, até agora, completamente desigual.