11-10

 

Cenas de pobreza que pareciam ter ficado para trás voltaram com força total nos últimos meses.

Vandeck Santiago (texto)
Juliana Leitão (foto)

Nem faz tanto tempo assim; em 2011 eu estava fazendo uma reportagem em Sousa (434 km de João Pessoa) e uma das pessoas que entrevistei foi o cidadão Robson Marques (foto). Uma frase dele me ficou na memória: “Antigamente em Souza tinha pedidor de esmola em cada esquina. Vá lá agora pra ver”. Eu fui; não encontrei um. Aparentemente estavam todos abrigados sob o guarda-chuva dos programas sociais e não precisavam mais ir esmolar. A situação era parecida por todo o Nordeste.
Não sei como está a situação hoje em Sousa e nunca mais encontrei Robson, estimo que uma e outro estejam bem como os encontrei há cinco anos, mas o fato é que quando você vai a qualquer cidade a cena de homens e mulheres com a mão estendida voltou com força total. Pegue um ônibus no Recife, por exemplo. Em qualquer linha. O provável é que sempre suba alguém para pedir auxílio aos passageiros, contando uma história de doer o coração. Anteontem testemunhei um caso desses; um pai falando que tinha um filhinho cardíaco, necessitado de quatro tipos de medicamentos especiais (ele citou os quatro, que eu por acaso conhecia). Todo mundo colaborou.
Nesses casos sempre há o risco de a compaixão estar sendo ludibriada pela esperteza, mas não é exatamente disso que estou falando. Falo da situação que engendrou aquela cena – quando as coisas vão bem, ela é raríssima, não comum, como tornou a ser.
Só lembro de coisas parecidas na segunda metade dos anos 1990. Havia os personagens típicos – o rapaz que tocava utilizando palha de coqueiro como instrumento, o que falava rápido como quem tinha decorado o texto e temia esquecer alguma palavra, o que levantava a camisa para mostrar a marca de alguma cirurgia (momento em que todos desviavam o olhar para o horizonte longínquo)…
É como se voltássemos para os piores momentos dos anos 1990 – não para rever Arquivo X, mas para assombrar-se com cenas chocantes da vida real, que esperávamos não mais ver.
E o revival não é de um exemplo isolado. Dia desses um programa de gente descolada, Papo de Segunda (GNT), esmerou-se em dar dicas sobre como poupar. Não é que este assunto não possa ser abordado por “descolados” (relevem se “descolado” for expressão dos anos 1990; faz parte do clima). É que se um programa de TV com este perfil também está abordando o tema é porque a situação de fato ampliou sua atenção para além do trivial.
Dicas sobre “como economizar” eram uma constante na segunda metade dos anos 1990. Uma delas recomendava: não vá às compras com fome, porque vai acabar gastando mais. Pois bem, coloque a dica no Google e você verá como ela tornou a ser repetida nos dias de hoje. Nas listas de hoje também já aparece a recomendação de levar uma calculadora para não ser iludido pelos preços – exatamente como se fazia nos anos 1990.
Os economistas devem ter boas explicações para isso, aquela coisa dos ciclos e coisa e tal. Como cidadão, nos incomoda que tenhamos de estar sempre à mercê desses sobressaltos, pulando de uma situação para outra, como numa gangorra sinistra de “com dinheiro” e “sem dinheiro”. Em vez de constância, espasmos.
As inquietações, apertos e sofrimentos espalham-se para todos. Sabemos, porém, que estes malefícios não recaem com a mesma intensidade sobre todos; da mesma forma que a capacidade de recuperação não é mesma para todos. É aí que entra a parte mais dolorosa das dificuldades – aquela que se abate sem piedade sobre os mais pobres, impulsionando-os para as ruas ou para dentro dos ônibus, como último recurso de sobrevivência.