22-10

 

Estudo diz que tendência de um cônjuge a bisbilhotar o perfil do outro em redes sociais vem acabando relações.

Luce Pereira (texto)
Silvino (arte)

Mistérios e acontecimentos impactantes são pratos cheios para atrair a curiosidade do mundo e despertar, digamos, certo senso “jornalístico” que o indivíduo curioso parece ter de nascença – quer “apurar” tudo, estar no ato, não importa a natureza da situação, se mórbida, comovente ou cômica. Brasileiros, sobretudo, como herança de ancestrais portugueses que levavam aquela vidinha cheia de conversa, à moda das aldeias. Basta ver a multidão que se forma ao redor de um cadáver esticado em via pública, vítima da violência do trânsito ou das armas. Os carros passam muito lentamente pelo local, atrapalham o ritmo de circulação dos veículos, mas os motoristas parecem mais interessados em descobrir se a pessoa de fato passou dessa para melhor ou se vai escapar ao menos com um fio de condições de contar a história. E interesse mesmo provocam as brigas de casais que não têm a menor cerimônia em expor seus desacertos íntimos em ambientes sem privacidade. O grupo de curiosos que adora cenas onde grassam as desilusões amorosas talvez seja o mais numeroso entre todos, porque quem se permite dividir desordens conjugais com plateias geralmente oferece espetáculos inesquecíveis, que rendem conversa entre vizinhos e conhecidos para o mês inteiro.
Não por acaso, nas feiras de interior, raramente vendedores de fórmulas milagrosas (para sarar quase tudo) reclamam de serem vozes ao vento, pregando no deserto. Não. Estão sempre rodeados de curiosos em saber como podem chegar a soluções que nem os centros considerados de excelência em cura de muitas doenças conseguiram. Novamente é o espetáculo que mobiliza em nome de respostas, na maioria das vezes, sem nenhuma utilidade para o curioso. Como descobrir se a polícia, enfim, conseguiu apanhar o moleque que deu bote na carteira de uma senhora e, para fugir da perseguição, se atirou nas águas do rio com braçadas vigorosas. Ao cabo de algum tempo ali, empenhado em apurar o fim da história, é capaz de o sujeito nem lembrar o que iria fazer antes de ser absorvido pela movimentação surgida repentina e surpreendentemente no caminho.
A propósito da inutilidade das respostas, quem quiser que venha com o argumento de que se trata de “traço cultural” – no fundo é a mesma humaníssima curiosidade a fazer dezenas de pessoas tentar um lugarzinho bom na fila, de modo que não lhes escape nenhum dos vários golpes de cipó aplicados por um carrasco nas costelas de uma criatura de joelhos, acusada da prática de algum crime de ordem moral. Foi numa cidadezinha da Indonésia, esta semana. Interessava muito menos a lição extraída da surra do que avaliar a extensão dos danos físicos causados pela brutalidade extrema.
Não é à toa que um famoso ditado popular surgido na Idade Média – a curiosidade matou o gato – tenta alertar as pessoas quanto a possíveis riscos resultantes da curiosidade extrema. Até tenta, mas não parece interessar a quase ninguém. Como bichanos que caíam nas armadilhas das bruxas, porque são animais curiosos por natureza, humanos também não resistem a uma “apuração” dos fatos e acabam tropeçando na própria bisbilhotice. Nesta semana, uma pesquisa mostrou que redes sociais, especialmente o Facebook, andam aumentando o número de casais decididos a separar os trapinhos, inclusive relações antigas. O motivo estaria no fato de um dos cônjuges, inseguro, resolver espiar o perfil do outro, lá se deparando com figurinhas e diálogos muitas vezes ambíguos ou precipitadamente entendidos de forma torta. Aqui, cai bem aquele velho e pouco ouvido provérbio: quem procura o que não perdeu, acha o que não quer. Além do mais, em situações assim, psicólogos logo caem em campo para dizer que não vale a pena insistir, pois curiosidade e privacidade não se bicam e quando a primeira avança sobre o terreno da segunda, os pilares da confiança ruem. Em outras palavras, o melhor é cada um cuidar da própria vida, deixar que o outro siga segundo as escolhas e circunstâncias dele.