25-10

O mais doloroso é constatar que estamos matando e morrendo sem sequer saber direito o porquê.

Vandeck Santiago (texto)
Teresa Maia (foto)

Não precisa estudo nem pesquisa para constatarmos que os homens protagonizam mais casos de violência que as mulheres. Mesmo assim um estudo sobre homicídios realizado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) traz um dado que chama atenção: 95% dos assassinos são do sexo masculino. O que surpreende aí não é a predominância do homem nesse tipo de crime, mas o percentual avassalador de 95%.
Na população mundial há praticamente o mesmo número de homens e mulheres – mas por que estas matam muito menos? Não se martirizem por não conseguir responder, porque, como diz reportagem da BBC Mundo sobre o assunto, “acadêmicos há anos tentam buscar respostas para essa pergunta” e “os achados empíricos variam e as explicações vão desde testosterona a diferentes tipos de socialização”. Ou seja: não há uma resposta definitiva.
Nas minhas andanças como repórter sempre me chamou atenção algo igualmente misterioso: por que nas prisões são tão poucos os detentos que usam óculos? Anos atrás tentei fazer reportagem sobre o tema, dando-lhe um mínimo de consistência científica, mas não há estudos nem estatísticas amplas que permitam avançar numa tentativa de explicação.
No caso da mulher em relação aos homicídios, a situação é diferente, embora não permita explicações conclusivas. Existem estatísticas, porém faltam “informações qualitativas” que permitam compreender o que está por trás dos números, avalia a pesquisadora Caron Gentry. Essas informações poderiam ser obtidas, por exemplo, a partir de entrevistas com as mulheres presas por homicídio.
Caron Gentry é escocesa, mas a realidade mostrada pela UNODC é universal – refletem o cotidiano da Escócia, de El Salvador, dos Estados Unidos, do Brasil… Um outro dado relevante, e igualmente comum nos diversos países, é que a maioria das vítimas dos assassinatos também é formada por jovens. As proporções são parecidas: 95% das pessoas que cometem assassinatos são homens, e 80% das vítimas também são homens. Como diria o conselheiro Acácio, os homens estão se matando entre si. “Homicídio é principalmente um problema de homens, não apenas em termos de autores, mas também das vítimas, a maioria delas envolvendo jovens menores de 30 anos”, atesta em entrevista à BBC o responsável pelo estudo da UNODC, Enrico Bisogno, puxando desse emaranhado de números mais uma face da criminalidade: os homens morrem e matam geralmente em confronto com desconhecidos, enquanto os assassinatos contra as mulheres costumam ser praticados por “parceiros, ex-parceiros ou familiares”.
Uma tendência comum na tentativa de explicar fenômenos da atualidade é buscar razões na própria atualidade – senda perigosa que muitas vezes leva ao simplismo e a respostas superficiais, opção infelizmente preferida em parte da imprensa. Não é o caso, porém, da BBC, que procurou um estudioso da história do crime, Lawrence Sherman, da Universidade de Cambridge. Olha o que ele encontrou ao pesquisar estatísticas históricas de homicídios em grandes cidades: a predominância quase total de homens como responsáveis por homicídios já se constatava entre 1719 e 1856 em Londres, onde 85% dos assassinos eram homens. Já em Nova York, no período entre 1797 e 1875, o percentual era de 93%. Sei que todos vocês atentaram para as datas, mas permitam-me enfatizar: no século 18 e 19, em determinados locais, já tínhamos na criminalidade resultados parecidos com o que encontramos hoje, no século 21. Claro, há diversas nuances nessa comparação, porém o dado bruto nos mostra uma preocupante semelhança.
Os estudiosos apresentam diversos fatores que podem entrar na explicação do fenômeno do homem matar muito mais que a mulher: acesso a armas de fogo, consumo de álcool e drogas, o papel de cada um na sociedade, participação em atividades criminosas, testosterona, temperamento… Nada, porém, que até agora os tenha satisfeito como uma resposta conclusiva. O que nos leva a uma atordoante conclusão: a de que a gente vem se matando ao longo dos séculos sem sequer saber direito o porquê…