28-10

 

Aplicativo Waze apresenta estudo mostrando que trânsito piora em algumas das capitais da América Latina.

Luce Pereira (texto)
Silvino (arte)

Se consola saber, não é apenas aqui que a vida segue sensivelmente mais aborrecida por causa do trânsito. O aplicativo israelense Waze, que há três anos passou às mãos do Google, andou reunindo dados que apontaram realidade num crescente estado de complicação em algumas das maiores capitais da América Latina – Cidade do México, Lima e Bogotá acabaram ficando entre as cinco piores do mundo e os habitantes, dentro e fora dos carros, cheios de motivos para viver com nervos à flor da pele. São justamente aquelas que nos últimos tempos têm caído nas graças de turistas e se consolidado como destinos de alta procura no continente, sobretudo quando as moedas mais fortes dão uma trégua e as cotações despencam.
Ao analisar as condições de circulação em 235 grandes cidades do planeta, o aplicativo apontou a americana Dallas ocupando o topo da lista, com uma pontuação de 7,28 em uma escala de zero a dez, seguida por mais três dos EUA – Atlanta, Houston e Filadélfia -, enquanto a capital das Filipinas, Manila, aparece em situação oposta, com um confortável índice de 0,33. No quesito analisado, é a mais calma de todas. Mas quando o estudo mira a América Latina, só Buenos Aires (ainda) consegue não ter o trânsito incluído na lista dos maiores inimigos – surge com a melhor nota (3,13), enquanto São Paulo (1,37) fica na 19ª posição e o Rio (1,26), na seguinte.
Megalópoles como Tóquio, Xangai, Nova Délhi e Daca (que têm mais de 17 milhões de habitantes) não entraram no levantamento e, na Europa, a Alemanha ficou de fora. O aplicativo usou uma série de parâmetros para chegar aos resultados, tais como a proporção das ruas e outras vias congestionadas, tempo gasto de casa ao trabalho, velocidade de circulação nos horários mais críticos e o número de obras, de ruas e estradas sob bloqueio. Os critérios subjetivos incluíram a satisfação do condutor em relação a aspectos como seguranças dos locais por onde ele trafega.
A probabilidade real de colapso na área destinada à circulação de trânsito em muitas das grandes cidades do mundo sugere que é preciso desaprender, urgentemente, a relação com veículos motorizados. No entanto, já foi dito que, na América Latina, “o carro é o rei e o pedestre, súdito”, pois a este último restam apenas 4% do espaço de uso exclusivo, assim mesmo, sem a segurança necessária. Não resta dúvida, o resultado da conta é impactante para o desenvolvimento e bem-estar da população.
E o problema segue desafiando a coragem/seriedade de governos e testando o nível de mobilização dos habitantes. Nas principais metrópoles do continente, ruas planejadas para pedestres e ciclistas não passam de conversa de gabinete, projetos sempre adiados pelo argumento da falta de recursos. Mais uma vez, Buenos Aires se mostra em situação melhor: tem pelo menos 140 quilômetros dos 44.500 de vias existentes dedicados a quem caminha (0,31% de espaço para pessoas, o resto para carros). Já a Cidade do México, dos 63.700 quilômetros, 100 km são destinados a pedestres (0,15% da área), enquanto Bogotá, 305 quilômetros (3,9%) dos 7.750 existentes. No caso do Brasil, toma-se como exemplo o Rio de Janeiro, que reserva para os caminhantes 340 quilômetros dos 15.371 totais (3,9%).
No entanto, o caso da colombiana Medelín continua servindo de alento para quem sonha com transformação a partir de outro modelo de urbanismo que contemple os habitantes, melhorando a qualidade de vida deles. Difícil não concordar com Verónica Raffo, especialista do Banco Mundial, quando declarou que “a criação de boas infraestruturas de espaços públicos de qualidade e de meios de transporte que cheguem aos mais vulneráveis e excluídos é essencial para reduzir os níveis de desigualdade e de pobreza da região”. Ou seja, sobre o caminho das pedras, mais claro impossível. Falta só a decisão de trilhá-lo com o propósito de recuperar tanto tempo perdido.