Depois de várias internações para tratar de hipertensão e insuficiência renal, Gilberto Gil é a vítima da vez.
Luce Pereira (texto)
Editoria de arte (imagem)
A má educação (e irresponsabilidade) de alguns brasileiros se acentuou imensamente com o advento das redes sociais. Através delas, “matam” número surpreendente de personalidades e artistas com apenas alguns toques no teclado, sem dar a menor importância para a repercussão do boato junto a familiares, amigos, colaboradores e fãs ardorosos dessas pessoas. Adoram anunciar a morte mentirosa, por exemplo, de Renato Aragão, um dos humoristas mais queridos do Brasil. Mas a lista é enorme: já entraram para ela os atores Drica Moraes, Fernanda Montenegro, Lima Duarte, Reynaldo Gianecchini, Edson Celulari e Laura Cardoso, sem falar no mito de Cuba, Fidel Castro, e ex-jogadores de futebol como Adriano Gabiru, responsável pela maior vitória do Inter de Porto Alegre, no Mundial de 2006, contra o Barcelona. A bola da vez agora é o baiano Gilberto Gil, de quem Benedita da Silva, ex-governadora do Rio, chegou a se despedir com uma mensagem em seu perfil nas redes, dia 23 último: “Brasil perde uma de suas maiores expressões no mundo cultural, intelectual e político. Gilberto Gil incomparável, nosso adeus”. Por imprecaução, ajudou a alimentar, durante pelo menos vinte minutos, a onda de falsas notícias sobre a morte do cantor, que vem enfrentando problemas de saúde e vive entre uma internação e outra no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. Avisada, Benedita correu para a rede e queixou-se do “irresponsável” que inventou a morte do artista, fazendo-a passar pelo constrangimento.
No dia 21, um desses textos infelizes também provocou transtornos na vida da mulher do artista, Flora Gil, que acabou perdendo um voo para Salvador, depois do que se disse “muito chateada” com as especulações. São tantas que obrigaram um dos médicos responsáveis pelo caso, no Sírio Libanês, a se dirigir ao grupo de fãs em vigília no local, nesta semana, a fim de tranquilizar a todos sobre a saúde do paciente famoso. “Pessoal, o Gil está ótimo. Amanhã (quinta-feira) ele tem alta. Ele sabe que vocês estão aqui”, disse, para alívio das cerca de 20 pessoas decididas a mandar energia positiva para o ídolo através dos sucessos tirados do violão de um deles. Sabe lá o que significa Gilberto Gil para a história da MPB? É preciso localizar os autores dos boatos com o objetivo maior de dar a eles uma aula de humanidade e de música irretocável como são as composições do precursor da Tropicália, além, claro, de lhes passar a conta a ser acertada com a Justiça. Afinal, deixar um país inquieto e triste não pode ficar de graça. Não deve.
A vida de Gil, desde março, alterna-se entre entradas no Sírio Libanês e cuidados que visam à recuperação da saúde, conquista básica para estar no palco do último show da turnê nascida com a missão de celebrar os 50 anos de sua carreira e da carreira de Caetano Veloso, considerados “unha e carne” desde os tempos em que ainda eram apenas dois jovenzinhos baianos cheios de planos para arrebatar o Brasil. Surpreendem até hoje, donos que são de obras vigorosas, tão políticas, poéticas e contemporâneas que justificam o revezamento de rostos aparentando menos de 20 anos (ou pouco mais), na frente do hospital onde Gil faz tratamento. A torcida, afinal, é pela saúde da MPB, fragilizada com o envelhecimento de seus maiores expoentes e, de vez em quando, sacudida por sustos como esse.
A turnê Dois Amigos, Um Século de Música, foi interrompida no dia 27 de agosto, mas retorna neste domingo (Metropolitan, Barra da Tijuca) depois de tantos axés enviados a Gil, com a energia de um país que torce, de dedos cruzados, pela recuperação dele. Deverá ser uma noite de celebração, onde os dois vão mostrar que seguem mais vivos do que nunca, para a tristeza de medíocres protegidos pelas grossas cortinas do universo virtual, de onde tentam apagar as estrelas, não importa se as que brilham sob holofotes. “Fora daqui!”, diz um trecho de Palco, música das mais conhecidas do repertório de Gil. E é o que todos nós dizemos a esses covardes.