31-10

 

Se o vencedor tem o direito de levar todas as batatas, ao perdedor não resta apenas o ranger de dentes.

Vandeck Santiago (texto)
Karina Morais/Esp.DP (foto)

Na primeira eleição que disputou sem ter Eduardo Campos no palanque, o prefeito Geraldo Julio saiu vitorioso. O resultado significa a aprovação de sua gestão pela maioria dos recifenses e o seu fortalecimento como político. É importante também para o PSB, que agora segue para a disputa de 2018 com o peso da prefeitura da capital e do próprio governo estadual. Uma derrota neste momento seria dramática tanto para o prefeito, pessoalmente, quanto para o projeto estadual dos socialistas.
Mas se o vencedor tem o direito de levar todas as batatas, e festejar, e amanhecer no dia seguinte com a inigualável sensação de prazer que só a vitória propicia, ao perdedor não resta apenas o ranger de dentes e uma infeliz noite insone. “O mau das vitórias é que elas não são definitivas”, disse Saramago certa vez a Luís Figo, após uma dolorosa derrota da seleção portuguesa de futebol. “O bom das derrotas é que elas também não são definitivas”.
Em uma situação completamente adversa, o candidato derrotado João Paulo conseguiu ir para o segundo turno e nele abocanhar uma fatia generosa dos votos. Em outro cenário – digamos, com o PT na Presidência fazendo um governo apoiado pela maioria da população –, uma derrota seria humilhante. Mas no cenário atual – com integrantes do PT na cadeia, líderes como réus em investigação de corrupção e uma presidente deposta num processo de impeachment –, a performance de João Paulo pode ser vista de forma positiva: como um candidato que caiu, mas caiu de pé, lutando até o último minuto. É só olhar ver o que aconteceu no resto do país (não vou nem citar especificamente São Paulo, onde os petistas tinham a prefeitura) e comparar com o Recife.
Análises políticas podem ser feitas de duas formas. A primeira, mais comum, é a que privilegia o aqui e agora, e tem predileção por sentenças do tipo “fulano acabou”, “o grupo tal foi extinto”, “os candidatos dessa ou daquela tendência foram varridos do mapa”. Perdoem-me os que pensam assim, mas ao longo da cobertura de eleições nos últimos 30 anos posso afirmar que este tipo de raciocínio está equivocado dos pés à cabeça. Qualquer análise que leve em conta fatores históricos – esta é a segunda forma de fazer a análise política – constata que a realidade é completamente diferente.
Dou alguns exemplos. Em 2010 Arthur Virgílio concorreu ao Senado do Amazonas como favorito e acabou amargando o terceiro lugar. Sua derrota foi atribuída ao duro combate que fizera ao governo petista na Câmara de Deputados. Mas em 2012 o PT ainda estava na Presidência da República e mesmo assim Arthur Virgílio foi eleito prefeito de Manaus. Enquanto escrevo este artigo, vejo que foi reeleito ontem. Também eleito foi Rafael Greca, em Curitiba, que fora prefeito há 20 anos, e vinha de derrota em 2012, quando teve apenas 10% dos votos e ficou num apagado quarto lugar.
Na Bahia, Jacques Wagner (PT) venceu a eleição no primeiro turno para o governo com 64% dos votos, em 2010. O candidato do DEM, Paulo Souto, ficou em segundo, com 16%, e em terceiro um cidadão chamado Geddel Vieira Lima, do PMDB, com 15%. O mesmo Geddel concorreu ao governo em 2014 e perdeu para outro petista, Rui Costa. Hoje, Geddel é o ministro responsável pela articulação política do governo Michel Temer e o prefeito de Salvador é ACM Neto (reeleito em primeiro turno), do DEM.
Peguemos o caso também de Pernambuco. Em 1998 Jarbas Vasconcelos derrotou Miguel Arraes por uma diferença inédita, mais de um milhão de votos. Dizia-se então que Arraes e o PSB estavam “acabados” – derrotados fragorosamente e ainda tendo que defender-se no famoso caso dos Precatórios. Em 2002 Jarbas reelegeu-se com folga. Mas em 2006 – vejam só, apenas dois mandatos depois da “derrota fragorosa” de 1998 – Eduardo Campos tornou-se governador. Em 2010 foi reeleito derrotando o mesmo Jarbas, e com uma diferença que representou um novo recorde: cerca de três milhões de votos. Tornou-se o maior líder político de Pernambuco na atualidade, elegeu o prefeito do Recife (em 2012) e mesmo depois de falecido seu peso foi determinante para eleger o governador Paulo Câmara (2014) – ou seja: o terceiro mandato consecutivo do PSB, o mesmo PSB que em 1998 os adversários diziam estar “acabado”e “varrido do mapa”.
Em política, as vitórias não são para sempre e as derrotas não matam o derrotado. Este, creio eu, é o maior mérito da democracia.