Iniciativas em busca de mais leitores se multiplicam e pessoas começam a entender que obras precisam circular.
Luce Pereira (texto)
Paul D’Andrea/ Reprodução da internet (foto)
Geralmente, época de balanço existencial é dezembro, porque o mês funciona como uma espécie de “ralo” por onde vão escorrer os últimos dias do ano. Então nascem as promessas de renovação, aquela vontade de fazer diferente, de melhorar aspectos da rotina que acabam emperrando outros de maior importância. No entanto, parece que, assim como a decoração de Natal anda sendo inaugurada cada vez mais cedo, as reflexões de fim de ano também. Entre conhecidos vejo, já agora, discussões sobre o desejo de mudar, em 2017, a relação com os livros, por exemplo. São pessoas que passaram a vida inteira investindo tempo e dinheiro para adquiri-los, por ter certeza de que apenas através deles seriam mais conscientes, críticos, criativos e com processos cognitivos bem mais reforçados. E, de fato, são tudo isso. Estas razões, por si só, criaram ao longo dos anos uma relação de afeto desses leitores com suas bibliotecas, como se houvessem firmado um acordo tácito de não-separação, independentemente de qualquer circunstância. As obras poderiam, no máximo, ser emprestadas, mas nunca vendidas. Este novembro, contudo, não está sendo igual àquele que passou.
Recentemente, uma professora aposentada do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) resolveu doar praticamente todos os livros que a acompanharam durante a vida. Eram milhares, as prateleiras ficaram nuas. Porém, diferentemente do que pensavam aqueles que a viam tão apegada aos títulos (de todas as áreas, mas, sobretudo, de literatura), não se deprimiu nem esboçou arrependimento. Agora faz parte do universo de loucos por livros… circulando. Isso mesmo, livros fora das bibliotecas, pelas ruas, fazendo parte de iniciativas interessantes como a despretensiosamente criada, em abril de 2013, pelo paulista Felipe Brandão. A campanha Esqueça um Livro, lançada em todo o país, deu tão certo que o rapaz, inicialmente empenhado em “esquecer” 800 exemplares em pontos movimentados de São Paulo, recebeu fotos pela internet de gente fazendo a mesma coisa até em lugares como a Times Square (Nova York). A ideia é deixar um exemplar com um bilhete explicando o objetivo da campanha, que nasceu sob inspiração da BookCrossing, projeto surgido em 2001, nos EUA.
Bibliotecas que andam em burros, gente que se transforma em “livro vivo” para contar histórias a leitores, carros que se transformam em espaço de leitura, poemas pregados em cadeiras de ônibus, banca de empréstimo de obras em estações de metrô… Vale tudo para ver se o Brasil se transforma em amigo dos livros e abandona a incômoda posição em que foi colocado num ranking de 2014 da Market Research World. Entre 30 países pesquisados, ficou no 27º lugar, com médias de leitura (em horas) que chegam a menos da metade do tempo que os indianos dedicam aos livros, por semana. Surpreendentemente, são os países asiáticos que estão por cima em relação a este assunto, com a Índia ocupando o topo da lista desde 2005. E na América Latina, o resultado é ainda mais desconfortável para o Brasil: perde para a Venezuela (o que mais lê), a Argentina e o México.
Ultimamente, chama a atenção a propaganda do projeto de leitura de um banco que aconselha: “Leia para uma criança” e inspire mais leitores. Se os mais de três milhões de livros físicos da coleção gratuita desapareceram, não tem problema: a contação de histórias pode continuar através de um aplicativo no smartphone. A propósito, começou ontem a 12ª edição da Feira Sesc do Troca-Troca de Livros e o participante só precisa doar um título em bom estado, embora ele necessite estar dentro das especificações do projeto. Enfim, não importa de que maneira as obras vão circular – ideias e iniciativas são todas bem-vindas -, mas de que forma elas poderão se transformar no hábito de estimação dos brasileiros. Porque, sim, o futuro não demora nada.