Vítima mais recente é a primeira-dama dos EUA, Michelle Obama, chamada de “macaca de saltos”, no Facebook.
Luce Pereira (texto)
Editoria de arte (imagem)
Tenho vontade de começar este texto perguntando, à moda de Fernando Gabeira: “O que é isso, companheiro?”. O questionamento vem a propósito deste tsunami surpreendente de atitudes e sentimentos ruins que varre os quatro cantos do planeta, como se alastrasse uma ordem de regredir ao tempo do desrespeito e da brutalidade, onde os valores são arrancados de dentro para a camada mais superficial e postos constantemente à prova. Entretanto, suportar provocações não pode se constituir na única forma de sobrevivência dos desafiados – que o diga quem é vítima de preconceito, independentemente da posição que ocupe na pirâmide social. No caso da primeira-dama dos Estados Unidos, Michelle Obama, nem o fato de estar no topo desta pirâmide a livrou de ser destratada em um post no Facebook, onde a internauta a chamou de “macaca de saltos” e – pior – foi cumprimentada pela prefeita da cidade.
Vamos ao caso: tudo começou quando Pamela Ramsey Taylor, gerente do escritório de Desenvolvimento da região do Condado de Clay, resolveu usar seu perfil na rede social para dizer: “Será revigorante ter uma primeira-dama requintada, bonita, digna na Casa Branca. Estou cansada de ver uma macaca de salto. A ofensa obteve total apoio da prefeita da pequena cidade da Virgínia Ocidental, Beverly Whaling, que respondeu: “Acabei de ganhar o dia, Pam”. Ambas perderam seus empregos, depois de uma campanha exigindo a demissão da autora do post e a renúncia da chefe do Executivo local, um lugarzinho com apenas 491 pessoas. Supõe-se que a tal prefeita deva conhecer cada um dos moradores e que, sendo capaz de subscrever agressão tão tacanha, mostre-se de uma incompetência constrangedora. Sorte deles, que se viram livres dela. A torcida, agora, é para que ao menos parte dos moradores de Clay não entendam que será uma boa coisa para o país a substituição da inteligência e sensibilidade de Michelle Obama pelo rosto bonito da modelo Melania Trump, a mulher do próximo presidente.
Pelo menos 85 mil pessoas espalhadas pelos EUA assinaram o documento pedindo punição para as duas agressoras, mas deveria ser o mundo a se indignar contra posturas semelhantes. A propósito, o marido da agredida, o (ainda) presidente Barack Obama, durante visita à Grécia, como parte de sua despedida da Europa, reforçou que não se pode deixar de vigiar e combater o nacionalismo étnico, cuja consequência imediata é a discriminação. Aqui, exatamente aqui, é impossível não lembrar que foi exatamente este o ponto mais importante da propaganda nazista.aquele que ungiu Hitler e o autorizou a cometer as maiores atrocidades da História. “Temos de ser vigilantes diante do aumento de uma espécie vulgar de nacionalismo ou identidade étnica ou tribalismo que se constrói em redor de um nós e de um eles”, disse Obama. “E nunca pedirei perdão por dizer que o futuro da humanidade e o futuro do mundo se definirão pelo que temos em comum, em oposição às coisas que nos separam, e, no final, nos conduzem ao conflito.”
Afinal, que mundo nós queremos? Se for o da paz, é bom prestar atenção na mensagem da diretora-geral da Unesco, Irina Bokova, sobre o Dia Internacional da Tolerância, que se celebra hoje, desde 1995. Ainda mais porque o Brasil, que ficou conhecido pelo preconceito velado, também entrou no tsunami favorecido pelas redes sociais. Basta ver os ataque que se sucederam à apresentação da filha adotiva do ator Bruno Gagliasso, Titi, no programa do Faustão. Africana, a criança foi exposta nas redes sociais, depois da apresentação, porque a beleza dos pais destoaria do fato de ela ser negra. Para dar ainda mais realismo ao incômodo, a cantora paraense Gaby Amarantos, outra vítima de preconceito semelhante, dividia o palco com Gagliasso. “A gente combate preconceito com amor e justiça, Cabe a polícia tomar conta disso, agora”, disse o pai. Se nada for suficiente, perguntemos, em bloco: “O que é isso, companheiro?”