Na campanha dos Correios, cartas de crianças esperam padrinhos até o dia 20 de dezembro.
Silvia Bessa (texto)
Paulo Paiva/ DP (foto)
Sonho de criança não se ignora. Nem se brinca porque é mais real do que tudo e tem enredo que se constrói no meio do dia. Como se sabe, é nessa época do ano que a criança sonha em dobro, diz-se obediente – ou demonstra ser – e espera o presente do comercial. Acho uma sorte poder acreditar em Papai Noel, no bom velhinho que vem e preenche a expectativa de trazer para perto pequenos momentos felizes. Sorte de quem desconhece a crise econômica ou que, à revelia do meio onde vive, simplesmente espera, é esperançoso. Não se sabe por quanto tempo, se por piscada de olhos ou pensamentos passageiros, mas ali há a crença de algo bom que esteja por vir. Mas, sejamos justos, melhor mesmo é quando os sonhos se realizam. Aí, só os olhinhos brilhantes explicam tamanha satisfação.
Foi vislumbrando uma pontinha dessa alegria inocente e da solidariedade de cada Papai Noel feito de carne e osso que me deparei ontem. O paredão da campanha de Natal dos Correios, com cartas e desejos e pedidos mimosos, começou a ser erguido aqui no Recife. As trinta cartas vão se multiplicar por dezenas, centenas e milhares em pouco tempo. Pode anotar e digo isso porque é assim todo ano. Elas são escritas por meninos e meninas humildes que sonham. Aqueles escritos são quase sociológicos, penso eu. Vale a pena qualquer um passar dez minutos defronte ao mural para tentar entender as letras desenhadas com cuidado, acompanhar o modismo das bonecas ou os pedidos inusitados. Vale igualmente ler o óbvio, escolher o apadrinhado e reservar um pouco que seja do 13º salário para mandar uma pedacinho de alegria, de exibicionismo (sim, toda criança gosta), de carinho coberto por um papel e um laço.
Se você se permitir conhecer o paredão verá que, nas entrelinhas, cada leitor faz as suas próprias interpretações. Até hoje lembro de uma carta que li há alguns anos e me marcou: era de uma menina chamada Mariana Cavalcanti, que se dirigiu ao Papai Noel pedindo uma bicicleta e lembrando que a mãe podia não acreditar nos poderes dele, mas ela mantinha-se fiel à crença. Uma criança de 11 anos resistindo e tentando ser criança, talvez.
Ontem, em meio às cartas que foram postadas e recolhidas pelos carteiros dos Correios do Recife e que tinham “Papai Noel” como destinatário, uma me pegou de jeito. Foi a cartinha de Kayane Gomes, de 14 anos. “Neste Natal, gostaria de ganhar shorts, calças e algumas blusas”, começou ela, logo no início do texto escrito manualmente listando seus desejos. Não conheço Kayane, nem sei se é o caso dela, no entanto imagino que muitos dos garotos que enviaram ou enviarão as cartinhas são de famílias que estão mais preocupadas em pagar as contas ou comprar o alimento do dia e que não podem dar vestuários e calçados aos filhos. Essas crianças fazem parte do grupo que os Correios define como de vulnerabilidade social. A campanha dos Correios deste ano as contempla, prioritariamente. São cartas de meninos que estudam em escolas da rede pública de ensino, creches e abrigos.
Nessas cartas se vê sonhos traduzidos em um “pirulito gigante”, um “cachorro”, um “caderninho de diário”, “caneta e borrachas” e até mesmo em uma “cesta básica” de alimentos. Ano passado, só aqui no Recife foram 8 mil presentes entregues a crianças adotadas neste período natalino. Este ano há uma expectativa de que cheguem 13 mil cartas nos postos dos Correios, sendo a maioria delas de escolas públicas que desenvolvem atividades estimulando a escrita manual. A estimativa dos organizadores é que 10 mil presentes devem ser entregues pelos Correios.
São apenas projeções, mas fico pensando como ficará cada uma das crianças que mandar uma carta para o Papai Noel e acabar sem ver o sonho virar realidade. Como não custa sonhar, digo aqui o meu: que este ano os Correios consiga atender a todas as cartinhas que receber. As cartas expostas podem ser adotadas até 20 de dezembro.