Urariano Mota (texto)
Jarbas/DP (arte)
As primeiras notícias informaram que “Um engenheiro matou a tiros o filho estudante universitário e cometeu suicídio. Alexandre José da Silva Neto, o pai, não aceitava a participação do filho Guilherme Silva Neto em protestos, como a ocupação da universidade, onde o jovem cursava matemática”. Depois, foi noticiado que Alexandre era possessivo e queria que o filho pensasse como ele. Então veio um mar de comentários bárbaros que denotam o nível da mente e moral da direita brasileira. Um promotor de São Paulo chegou a sentenciar que o pai matou apenas mais um vagabundo. Ponto? Não. A discussão ainda nem começou.
Quando o ex-presidente Lula, há seis anos, assinou um projeto de lei de combate às surras domésticas, houve uma tempestade de reação. Vimos então a extrema-direita ou conservadores de todo gênero, e alguns até podiam ser tomados como representantes do pensamento da educação pela porrada. Diziam:
“Não aceito interferência do Estado dentro da minha casa, na condução da educação dos meus filhos. Não vai ter juiz, desembargador ou presidente, que vai me dizer como educar meus filhos. Na minha opinião a lei mais forte é o direito dos pais de educarem seus filhos”.
Hoje, neste 2016, o jovem Guilherme executado num ato educativo poderia ter outros nomes, tantos quantos sofrem a selvageria herdada desde os tempos da escravidão. Em todo crime há motivos individuais envolvidos em circunstâncias mais coletivas. Nesse caso do filho assassinado pelo pai há razões da política brasileira e da destruição de conquistas sociais dos governos Lula e Dilma. Mas penso em algo mais próximo do jovem, da pessoa do estudante morto, que vá até ele num close. E quanto mais perto do seu rosto mais se revela uma história social. O pai homicida e o filho morto são naturais do Brasil, há tempos. Retirado o véu da hipocrisia, é preciso encarar a nossa barbárie.
Em meu romance O filho renegado de Deus, escrevi: A porrada total, que exigia não só a dor, mas também a mais completa perversidade, pois o espancado não podia fugir, correr ou pôr os braços em defesa, que poderiam ser quebrados, pois a defesa num reflexo era mostra de rebeldia, de resistência contra o poder do Pai, Ele era o Senhor Absoluto. “Bato num filho como quem bate num homem”, Ele dizia, mas nisso havia imprecisão, porque homens reagem. Até os animais se defendem. Indivíduos acuados, mesmo em luta desigual, se desesperam e esmurram crocodilos, tigres ou tubarões. Homens lutam. Mas um filho de Deus, não. Escravos escravizados por escravocratas na escravidão, no terreno e domínio do chicote, não. Talvez com uma correção da frase em que ostentava o vigor dos seus braços contra um filho, pois ao dizer que lhe batia como quem bate num homem apenas exaltava-se da força que descarregava na cabeça de paralisados, talvez com um conserto Ele considerasse, a quem lhe comentasse que filhos grandes, crescidos, não deviam mais ser surrados, ele repusesse o novo princípio: “Filho meu só é homem quando eu morrer”. Para o espancamento, o filho não cresceria nunca. Para a humilhação, que Ele não via, porque Pai não humilha, Ele apenas executa o seu infinito poder, para a humilhação os filhos jamais seriam adultos. Homem, para o Pai, nunca.
Agora, como uma continuação da barbárie narrada, soubemos pelas notícias que o estudante foi perseguido pelo pai antes de ser morto. Mesmo ferido, o jovem chegou a correr, mas o pai entrou no carro e o perseguiu até alcançá-lo. E atirou outras vezes. As notícias continuam o pesadelo com textos onde o jovem aparece morto por ter comportamento alternativo, por defender ocupações no Face e simpatizar com bandeiras sociais e políticas. Além disso (por essa razão!), o jovem queria o fim da cultura do estupro, a legalização do aborto e era contra a gestão de Organizações Sociais na Educação. Só cabem muitas exclamações por tamanha causa mortis: !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
A opressão sobre o filho já era uma morte antes do tiro.