Depois de um ano indo a cidades próximas do rio, coreógrafa apresenta performance sobre barcos.
Luce Pereira (texto)
Gringo Cardia/Divulgação (foto)
A gente do interior continua olhando de longe para quem chega, querendo descobrir de quem se trata, o que estaria fazendo por aquelas bandas. Mas a “estranheza” dura pouco, principalmente se a “visita” tem voz amistosa, um jeito de pessoa de casa e sabe convencer sobre os propósitos que a levaram até ali. A coreógrafa carioca Deborah Colker, 56, cabe bem neste esboço de visitante bem-vindo e não apenas pela fisionomia que deixa transparecer simplicidade e sinceridade na mesma medida. A figura loira, baixinha, que nem de longe sugere ser a mulher cujo talento dá nome e sobrenome à dança brasileira contemporânea, mundo afora, traz sempre na mala uma proposta criativa e inovadora, fórmula com a qual conquista palcos do planeta desde 1995.
E lá foi ela, com a equipe de criação e os 14 bailarinos da companhia, desde o dia 6, para alguns municípios do interior como Belo Jardim e Brejo da Madre de Deus, ambos no Agreste, fazer saraus, dar dez oficinas em cada um, e procurar “conexões” entre o seu trabalho e o meio ambiente com o qual se deparou; além disso, descobrir significados para a relação das pessoas com a água, neste caso, as águas que em algum momento se juntam para formar o Rio Capibaribe, aniversariante cada vez mais carente de cuidados extremos. Em entrevistas, Deborah disse que desde então só chora e agradece, certamente por ter retornado ao Recife com a humanidade e a sensibilidade ainda mais afloradas. Viu de perto animais morrendo de sede, a tristeza e a degradação que a falta de chuva provoca – e quem, tão perto assim da arte, não se comove?
A partir da realidade avassaladora que encontrou no Agreste e na Zona da Mata (Carpina, Nazaré e Limoeiro), com ruas e ruas sem árvores, inclusive, foi construindo o tecido da performance com a qual abrirá, nesta quinta-feira, o Festival uPlanet, instalado no Bairro do Recife. Outra proposta impactante, pois montada em embarcações de frente para o Marco Zero, com o propósito de mostrar a importância do rio, além de ser, também, o fio condutor do novo espetáculo do grupo, O cão sem plumas, da obra de João Cabral de Melo Neto, com estreia prevista para 2017. As oficinas e os saraus são a segunda parte deste trabalho, porque a primeira começou há um ano quando ela fez a travessia da nascente até a foz do rio com o cineasta Cláudio Assis, responsável pelo registro audiovisual do espetáculo. Para a apresentação de estreia, às 19h, serão 54 bailarinos, 40 dos quais saídos das oficinas ministradas. “Vamos dançar, tocar, vamos nos movimentar. Isso marca um momento muito importante do poema, do encontro do rio com o mar e vamos colocar os dois exércitos, o do rio e o do mar, juntos”, disse ao Diario de Pernambuco.
Na semana passada, almoçando com um grupo em um dos self-services mais conhecidos da Zona Sul, Deborah Colker estava longe de parecer cansada com as idas e vindas, os ensaios, os pedidos de entrevistas. Não havia nem quem dissesse que tinha praticamente acabado de cumprir aquela missão gigantesca nos Jogos Olímpicos do Rio – dar conta do maravilhoso espetáculo de abertura, que encantou o mundo inteiro. Simples, simples, interrompia a conversa, se deixava fotografar com quem a reconhecia e, pacientemente, terminava dando umas “pinceladas” sobre o que os recifenses veriam a partir de hoje até domingo, na primeira edição do festival destinado a unir tecnologia, arte e meio ambiente.
A moça que assinou pelo menos nove espetáculos de sucesso levados aos palcos e que foi colocada entre os cem brasileiros mais influentes, em 2009, num ranking feito por uma das maiores revistas do país, parece não ter a menor pretensão de descansar. Sempre que uma ideia a fascina pela possibilidade de se transformar em espetáculo, respira fundo e mergulha na tarefa. Então, depois de mais de vinte anos sendo sinônimo de aplauso, não é nada difícil imaginar a reação do público a cada estreia dela. Sorte a nossa, que hoje poderemos aplaudir sem economias.