08-12

 

Não há solução à vista para a profunda crise de representatividade e deslegitimação das instituições.

Vandeck Santiago (texto)
Alcione Ferreira (foto)

Os que pensavam que o impeachment de Dilma Rousseff traria a estabilidade política ao país estão vendo, dia após dia, como suas análises estavam equivocadas. O confronto que assistimos nos últimos dias entre Senado e Supremo Tribunal Federal (STF), notadamente a forma como se deu este confronto, com um presidente do Senado recusando-se a cumprir uma determinação da mais alta Corte do país, é um dos elementos do ambiente criado pela instabilidade pós-impeachment. A crise de representatividade e deslegitimação das instituições, atacadas frontalmente por suas decisões, se agudizou. Não quero chamar de ingênuos os que viam na deposição de Dilma o Santo Graal da estabilidade (eles podem ser tudo, menos ingênuos…), mas não se pode pensar teremos um mar de calmaria depois de tirar do poder, sem um motivo consensual, uma presidente eleita em dois turnos.
Permitam-me o cabotinismo da autocitação, mas em artigo aqui mesmo nesta coluna (“O inimigo só se torna terrível quando começa a ter razão”), em 27 de agosto passado (quatro dias antes de a medida ser aprovada na votação final no Senado), dizíamos: “O impeachment de Fernando Collor em 1992 era praticamente uma vontade nacional, e por isso trouxe a pacificação do país. O de Dilma é completamente diferente, e em vez da concórdia trará em seu rastro a discórdia. O clima de beligerância política que vem desde as eleições de 2014 manterá sua escala crescente, e não deve cessar tão cedo. Torço para estar errado, mas creio que teremos este clima pelo menos por mais dez anos, no mínimo”.
Depois de uma ruptura de tal profundidade, é óbvio que os seus efeitos se estendem no longo prazo. Entre outras coisas porque assume um governo frágil, sem legitimidade política para conseguir a pacificação – um governo de transição, ou, para usar expressão de Fernando Henrique Cardoso, uma “pinguela”, singelo nome que é sinônimo de “ponte improvisada, precária, sem proteção”.
Em meio a esse cenário temos um Congresso com uma das piores legislaturas (2015-2018) dos últimos anos, com um grande número de deputados eleitos com discurso religioso ou dedicados exclusivamente a questões de segurança pública. Não à toa a bancada mais robusta é a chamada “Bancada BBB”, uma referência à “Bala, Bíblia e Boi”. É composta por evangélicos, ruralistas e defensores de medidas ligadas à segurança pública. Essa “bancada” teve papel de destaque na votação do impeachment na Câmara. A medida foi aprovada no plenário da Casa por 367 votos a 137, o que dá uma proporção de 2,6 votos a favor para cada um contrário. Entre os parlamentares evangélicos a proporção foi de 6,7 a 1 (em números absolutos: 163 a favor e 24 contra) e entre os da segurança, 5,2 a 1 (números absolutos: 245 a favor, 47 contra).
No Congresso e também no país, temos um vácuo imenso de grandes lideranças políticas, aqueles personagens por sua história e por sua credibilidade são capazes de dar força ao Legislativo e à política. Com essa representatividade vulnerável, e em virtude também da prática condenável de parte deles, os políticos se veem pressionados por procuradores e juízes, de uma forma inédita na história recente do Brasil. Uma pressão que não raro cede à tentação de tornar-se uma espetacularização midiática, em vez de uma apuração de malfeitos.
Ontem tivemos o ato mais recente, não o último, da instabilidade que sacoleja o país. O STF manteve Renan Calheiros na presidência do Senado, depois de um ministro da Corte tê-lo afastado e de ele ter-se recusado a acatar a determinação. O contrapeso da decisão é que ele, réu em uma ação penal, fica impedido de assumir a Presidência da República. O episódio gerou uma série de avaliações desfavoráveis, e algumas dotadas de uma contundência que nunca vi, na história recente, dirigida contra o STF. “Afastamento meia-sola de Renan leva à autodesmoralização da Suprema Corte”, dizia artigo de um dos principais colunistas do país, Josias de Souza (UOL/Folha). Um dos parágrafos do texto: “A decisão do ex-Supremo foi 100% política. Resultou de uma costura que envolveu os chefes dos três Poderes: Michel Temer, Cármen Lúcia e o próprio Renan. Partiu-se do pressuposto de que o afastamento do réu alagoano do comando do Senado arruinaria a governabilidade, comprometeria a aprovação da emenda constitucional do teto de gastos e agravaria a crise econômica. Com esse entendimento, as instâncias máximas da República como que convidam o brasileiro a se fingir de bobo para o bem do país.”
A reação de Renan, a decisão do STF e até a contundência do colega são, isolados e em conjunto, elementos da uma instabilidade que se agudizou com o impeachment e que está longe do fim.