09-12

 

Pesquisadora francesa lança livro sobre experiências encontradas em cinco países, entre eles, o Brasil.

Marcionila Teixeira (texto)
Alcione Ferreira (foto)

A realidade das meninas com a genitália mutilada em países da África pode ser tão aterradora quanto o número de mulheres assassinadas no Brasil, quase cinco mil em 2014, segundo dados do Mapa da Violência. Assim pensa a antropóloga e feminista francesa Véronique Durand. Ao longo dos últimos anos ela viajou para cinco países (Brasil, Camboja, Argélia, Bangladesh e França) para conhecer as diferentes vivências das mulheres vítimas de violência. Depois de uma análise comparativa e analítica entre as diversas regiões, preparou o livro Órfãs de Esperança: violências contra a mulher, alguns relatos no mundo, lançado no final de novembro no Recife.
O trabalho, adaptado para uma linguagem jornalística, revela a universalidade da violência. “Não há país que escape da violência doméstica, mas há diferenças em função da cultura. A questão da mutilação, por exemplo, é para que a mulher não sinta prazer na relação, pois o objetivo do ato sexual para ela deve ser apenas de procriar. Além da mutilação, no entanto, há o fato de meninas morrerem por conta de hemorragia e infecção”, explica a antropóloga. As pessoas responsáveis pelo procedimento nem sempre são capacitadas e muitas vezes usam a mesma lâmina em meninas diferentes. No Brasil, por outro lado, é a cultura do machismo que move, na opinião dela, o número assustador de assassinatos de mulheres. “É como riscar uma cidade francesa pequena do mapa por ano”, reflete.
O livro da antropóloga tem um capítulo dedicado somente ao tema dos homens agressores. Na França, Véronique criou um serviço para atender esse público e trouxe o trabalho para a Vara da Violência Doméstica, em Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife. “O serviço deu muito certo. Conseguimos reduzir a violência naquele município”, comemora.
O trabalho consiste em ouvir os homens para tentar quebrar o ciclo de violência. “Na ouvida, vou na história de vida deles e acabam falando da violência sofrida em suas vidas e do que fizeram com a companheira. É como uma terapia. Eles se conscientizam do ato e se responsabilizam, percebem que a culpa é deles. Muitos falam que beberam, mas beberam porque quiseram”, pontua. Quando o trabalho é feito em grupo, eles também se percebem como autores da mesma violência praticada pelo homem que está ao lado dando seu testemunho.
Estudos comparativos, entende a pesquisadora, lançam uma luz diferente em vários fenômenos e ajudam a ler os códigos de nossa própria sociedade. Perceber a violência doméstica, a prostituição e o tráfico de mulheres no Camboja, por exemplo, foi surpreendente, mas não tão dramático para a francesa quanto viver de perto a realidade de meninas de um centro para adolescentes da Argélia. “Aquela situação mexeu muito comigo. Eram adolescentes mandadas para um local fechado, por um juiz, simplesmente porque fugiram da violência sexual, muitas vezes praticada por parentes. Na sociedade muçulmana, a virgindade é pré-requisito para casar. Ao invés da família ajudar, elas dão as costas para as meninas e elas terminam punidas”, relata.
Além do Recife, o livro será lançado em Foz do Iguaçu (9 e 10 de dezembro) e em Brasília (13 de dezembro). Custa R$ 35. Sua leitura vale para homens e mulheres comprometidos com a reflexão sobre o machismo, a violência contra a mulher e suas diferentes formas de manifestação no mundo.