Daniele Santos e Juan Pedro são exemplos de como a generosidade gera generosidade.
Silvia Bessa (texto)
Arquivo pessoal (foto)
Enquanto repórter, quase sempre fico com a sensação de devedora diante de entrevistados anônimos. No quanto de generosidade há em um cidadão que nunca me viu na vida, nem sabe sequer meu nome e é capaz de contar-me intimidades, abrir o verbo, sorrisos, choros, a porta, a casa, dividir o sofá e o único copo de refresco que há na geladeira. Pois devo confidenciar que este ano minha conta cresceu subitamente com ex-desconhecidos e novos amigos porque 2016 foi tão difícil quanto farto no quesito solidariedade. Parte desta conclusão se deu em virtude da convivência com famílias que tiveram bebês afetados pelo zika vírus e pela microcefalia, uma má-formação que – como muitos sabem – afeta o desenvolvimento das crianças. Observando essas famílias, ficou nítida a máxima adaptada: solidariedade gera solidariedade.
Permitam-me contar o ano de uma moça com a qual convivi. Falo de Daniele Santos, uma jovem recepcionista com menos de 30 anos, que em 2015 deu à luz Juan Pedro. Ao longo de 2016, li mais de uma dezena de entrevistas de Daniele narrando sobre como lidava com o diagnóstico de Juan. Muitos dos depoimentos foram dados a sites do exterior (e algumas das primeiras ao Diario de Pernambuco). Daniele sempre esteve sorrindo, serena. Explicava com maturidade e tranquilidade como era a rotina de uma mãe de um bebê neurologicamente afetado pela microcefalia, como era ser mulher e enfrentar uma inesperada separação do marido. Deixava-se fotografar lindamente com o seu amor maior. Em casa, a realidade enfrentada por ela era pesada. Recursos escassos e um mundo novo a ser descoberto. Ainda assim, Daniele estava pronta para servir como fonte de informação para mim e tantos outros repórteres.
Há um mês, agora em novembro, chegou uma mensagem via internet nos convidando para a festa de um ano de Juan Pedro, que ela chama de “milagre de vida”. Era singelo e trazia um pouco do que ela tem praticado e aprendido com a Aliança de Mães e Famílias Raras (AMAR), uma ONG formada com a função de criar laços de ajuda mútua. Dizia assim: “Juan me pediu para lembrar a vocês que venham para o aniversário dele com o coração cheio de amor e solidariedade. Por isso, quem puder, traga uma doação para AMAR, ONG que ele faz parte. Precisam de fralda GG e leite etapa 2. Ajudem como puder. Ele só pede a presença de vocês. Não se preocupem em presenteá-lo de outra forma. O melhor presente é sua solidariedade”. Assim foi.
A festinha de Juan tinha vestígios da solidariedade em todos os ângulos. Além dos mantimentos para outros bebês da AMAR, amigos ajudaram como puderam para realizar o sonho da comemoração do menininho. Desconhecidos se sensibilizaram e se integraram à mobilização. Ana Maria Andrade, empresária da Coisas de Vó (www.coisasdevo.com.br), fez como uma avó. Com riqueza de detalhes, confeccionou e presentou com a roupinha cáqui de caçador para Juan brilhar no safari dele. Um sucesso. Shirley Nascimento, do @shirleybolosuras, que faz bolos e doces infantis, não titubeou e topou na hora o convite feito pela jornalista Sarah Eleutério do blog maenareal.com.br. “A iniciativa é maravilhosa. Claro que quero fazer parte”, respondeu Shirley Nascimento a Sarah.
Dizem que Natal é tempo de reflexão. Às vésperas do Natal de 2016, posso dizer que solidariedade não é utopia nem exige ideias mega projetadas, que precisam entrar na lista de prioridade de final do ano novo. E que alegria é constatar que estamos mais próximos, nos ajudando, mesmo que em tempos de crise ou de tragédias como essa que abateu o Brasil após a instalação do zika.
Além da mera observação, soube há pouco que temos mesmo o que comemorar nesse quesito – pelo menos. O Brasil subiu em 37 posições no ranking mundial de solidariedade e alcançou o melhor resultado desde 2009. Aumentou a parcela de pessoas que doaram dinheiro (de 20% para 30%) em relação a 2015 e o percentual dos que fizeram trabalho voluntário cresceu de 13% para 18%. 54% dos brasileiros disseram que ajudaram um estranho no mês anterior à pesquisa. Quem aferiu a generosidade foi a World Giving Index (WGI) da Charities Aid Foundation (CAF), uma instituição filantrópica internacional com sede no Reino Unido e com escritório no Brasil, EUA e outros países.
Por sorte, eu, uma legião de repórteres do mundo, leitores de sites informativos, Shirley, Sarah, Ana Maria, Daniele e Juan Pedro somos parte ou beneficiados pela solidariedade brasileira em 2016.