Estima-se que empresas aéreas terminem 2016 com 8 milhões a menos de passageiros transportados.
Luce Pereira (texto)
Silvino (arte)
Desde o dia 26 de novembro de 2012, quando a jornalista Danuza Leão escreveu sua crônica de domingo em um grande jornal do país lamentando (“qual a graça?”) que todas as pessoas, àquela altura, pudessem ir a Paris ou a N.Y, muitas águas não só passaram por baixo da ponte como levaram a ponte. Já em outubro, o Ministério do Turismo e a Fundação Getúlio Vargas observavam, a partir de uma pequisa, que 14% dos entrevistados tinham a intenção de trocar os aeroportos pelas rodoviárias e o amargo regresso se explicaria, evidentemente, pela crise econômica, que vem fazendo despencar de forma drástica o poder aquisitivo da classe média e dos trabalhadores em geral, além das constantes altas do dólar. Agora, as previsões se confirmaram e de forma ainda mais expressiva, pois entre aqueles oito milhões de brasileiros que há 12 anos voaram pela primeira vez, no tempo em que o consumo conheceu suas vacas mais gordas, boa parte migrou para os ônibus. A constatação de que o céu deixou de ser de brigadeiro para as gigantes da aviação brasileira veio depois de a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) registrar 15 quedas sucessivas no volume de passageiros transportados. A Abear estima que não terá motivos para lembrar de 2016, pois pode chegar ao último dia do ano com um número desestimulante – cerca de 8 milhões de pessoas deixaram de estar a bordo das aeronaves, o que representa um encolhimento de 8%.
No entanto, apesar da indesejável magreza experimentada pelo setor, não espere que as empresas admitam rever a política de tarifas para fazer as pazes com os passageiros. A associação que as representa volta a tirar da manga o velho argumento de que de 2002 a 2015 os preços médios dos bilhetes caíram pela metade. A culpa seria tão somente da perda de poder aquisitivo da população, que desde o ano passado só consegue aumentar mesmo é a coleção de dúvidas sobre o futuro. Tudo bem, é altíssima temporada nos trópicos, mas os reflexos dessa queda poderiam ser sentidos de forma mais clara se houvesse promoções ou outras estratégias destinadas a recobrar a fatia perdida de usuários. Nada. Os voos seguem lotados e o valor das tarifas, sendo motivo de lamento, pois deixaram de representar boa relação custo/benefício.
Talvez a tese da crise como fator de distanciamento dos passageiros de avião encontre melhor justificativa entre as próprias empresas de ônibus, que poderiam estar radiantes com a debandada, mas também andaram colocando na situação econômica do país a culpa por uma diminuição de 7,8% do número de pessoas transportadas entre 2014 e 2015. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) alega que, por exemplo, se o comércio está ruim das pernas, o empresário logo corta as viagens de negócios e tudo sofre prejuízo em cadeia.
Diante de cenário assim, é natural que a população sonhe em ver, no Brasil, o florescimento do mercado de voos baratos, chamados lá fora de low costs. Não oferecem mimo de espécie alguma ao passageiro e o submetem a uma política dura de franquia de bagagem, mas a diferença de preço para os voos comuns se revela gritante. Na Europa, por exemplo, os low costs gozam de excelente reputação, com preços na maioria das vezes abaixo das tarifas de trem e sem atrasos, em função de uma operação e uma logística mais simplificadas.
Mas a Abear é de um otimismo surpreendente: acredita que o céu de brigadeiro deve ser devolvido ao setor no fim de 2017, embora não diga se as empresas estarão dispostas a contribuir para isso, oferecendo ao passageiro mais do que os argumentos usados para manter as tarifas em níveis pouco atraentes como se encontram agora. Seguindo assim, Danuza nem precisará se lamentar pelo mesmo motivo de 2012 (sobre o qual se desculpou, ante a má repercussão da crônica Ser especial), porque a própria realidade se encarregará de manter longe dos aeroportos aquela gente simples, que não cabia em si de felicidade por também ter direito de ver o mundo.