Astro pop britânico sofreu até o fim a ausência do companheiro e acabou perdendo a luta contra as drogas.
Luce Pereira (texto)
Evert Elzinga/AFP
Se a fórmula da felicidade fosse algo previsível, dependendo da posse de ingredientes como dinheiro, beleza, fama, carisma e talento, a vida do ídolo pop britânico George Michael (nascido Georgios Kyriacos Panayiotou, por causa do pai cipriota) teria sido um mar de rosas. No entanto, ela nem mesmo existe. Entendendo-a apenas como uma invenção do sentimento de incompletude humana, tudo o que o cantor tinha, na verdade, era um vazio enorme no peito. Faltava o amor, perdido pouco tempo depois de encontrado – o estilista brasileiro Anselmo Feleppa, que ele conhecera no camarim, durante a versão 1991 do Rock in Rio,e morto em decorrência da Aids. Numa entrevista ao jornal inglês The Independente, em 2005, anos após haver rompido as barreiras do preconceito, disse que o rapaz o havia ensinado a viver, a relaxar e a desfrutar a vida, razões mais do que suficientes para justificar o desamparo e a fragilidade demonstrados após a perda. Nem o que acumulou de riqueza com os mais de 100 milhões de discos vendidos conseguiu impedi-lo de naufragar emocionalmente: enfiou-se no álcool e nas drogas, protagonizou escândalos sexuais, desafiou gravadoras e torceu o nariz para o governo (neste caso, o da Dama de Ferro, Margaret Thatcher).
Com Madonna, Michael Jackson e Prince, ajudou a sacudir os anos 1980 no mundo, época de apelo extremo ao hedonismo, no qual seu padrão de beleza, carisma e charme se inseria perfeitamente, tudo ajudando a compor a embalagem da música que fazia – ora romântica e triste, ora dançante e alegre, a depender das circunstâncias e estado de espírito. Depois da morte do companheiro, em 1995, por exemplo, o trabalho não conseguia render entusiasmo por parte de público e crítica, como se viu depois do lançamento de Older (1996), um álbum belo e triste. Não bastasse, três anos depois ainda teria que enfrentar reações surgidas a partir da descoberta de sua homossexualidade, quando foi surpreendido em um banheiro público de Beverly Hills (Los Angeles) cometendo “atos libidinosos” com outro homem, segundo um policial depois acusado pelo artista de ser a outra parte envolvida na história.
Aquela tão grande autoestima do começo da carreira como vocalista da banda Wham! (1982-1986) e celebrada com um álbum cujo título era mesmo uma auto-homenagem, Fantastic, já parecia muito distante. A sensação de ter tudo sob controle dava a impressão, inclusive, de deixá-lo muito à vontade nos clips em que havia sempre uma mulher a ser conquistada. Ao abrir para o mundo as cores de sua preferência sexual, no entanto, pagou o preço por alimentar uma imagem que destoava completamente da realidade. Era gay e, mesmo às portas dos anos 2000, assumir essa condição não parecia fácil nem para celebridades. Depois do impacto causado com a revelação, passou a radicalizar, defendendo abertamente o sexo anônimo em lugares públicos, o gosto pela maconha e outras drogas, inclusive o crack. Também se envolveu em escândalos como o de 2006, quando foi encontrado inconsciente em seu carro, que bloqueava um cruzamento importante numa área da zona noroeste de Londres, e a prisão, em 2010, após dirigir sob efeito de psicotrópicos e jogar o automóvel contra uma vitrine. Vivia numa eterna luta para se livrar do vício, incluindo passagem por clínicas de reabilitação.
Mas, sejam quais forem os julgamentos acerca da conduta do astro em público, uma coisa é certa: com músicas como Wake Me Up Before I Go-Go, Faith, I Want Your Sex, Five Live (em colaboração com o Queen), entre outras, o pop ganhou uma marca difícil de ser esquecida. Dono de uma fortuna calculada entre 70 e 100 milhões de libras (estava entre os artistas mais ricos do Reino Unido), foi, também, o protagonista de um tipo de história nada incomum entre pessoas do meio. Aquela na qual as luzes dos palcos e o brilho da fama não conseguem se estender à alma do artista e ele carrega sozinho o peso do próprio escuro. Coincidência ou não, George Michael livrou-se do seu na noite de Natal, quando – reza a lenda – todos os corações se acendem.