31-12

 

Previsões falam em um ano de dificuldades, mas nada que um pouco de otimismo não possa melhorar.

Luce Pereira (texto)
Silvino (arte)

Parece que quanto mais o ano se assemelha a uma fera, mais a gente sente necessidade de fortalecer o estoque de esperança para enfrentar o outro. É o tal instinto de sobrevivência. Então, começa a ficar atento aos menores sinais que supostamente possam reforçar as defesas contra quaisquer ataques da adversidade, tendendo a transformar tudo em amuleto, símbolo de proteção e sorte: romãs, lentilhas, pulos (em ondas), cores, rezas, perfumes. A lista de suposições é grande, tem o tamanho do nosso medo e a largura da nossa insegurança diante do futuro. O que será o amanhã? “A pergunta roda, a cabeça gira”, como diz a música, mas a resposta não vem. Não virá nunca, aliás, embora, em tempo algum, vá deixar de ser feita no último dia de cada ano. Revela-se automática como a vontade de erguer, só um pouquinho, o pano que recobre o desconhecido. Não podendo, nos limitamos a buscar armas para possíveis lutas, mesmo que a ingenuidade do arsenal nos transforme em guerreiros de vistas tortas, preparados apenas para enfrentar moinhos de ventos. Não tenha dúvidas, é uma luta muito desigual aquela que travamos contra inimigo tão poderoso e invisível.
No entanto, a certeza de que passarão céus e terra, mas a nossa insignificância diante do imponderável, não, é o que nos instiga a tentar suavizá-lo com alguns artifícios que, no fim de tudo, só servem mesmo para devolver a calma, como se fora um placebo, uma trégua, um tempo para revisitar o antigo quarto de brinquedos. Pois, que seja. A desigualdade na luta nos reserva ao menos o direito de sonhar com dias sem tão grandes sobressaltos, pontuado pela felicidade das pequenas alegrias e conquistas. Se, sem outra alternativa, vamos mesmo ter que pisar nos domínios deste senhor invisível e severo, que antes molhemos os pés na beira da praia, dancemos sem pressa, assoviemos sem cuidado, abracemos sem medida, nos entreguemos às coisas gratas sem mais perguntas. E, sim, abusemos da ingenuidade em relação a tudo que possa causar algum conforto: rituais, celebrações, negociações com o divino.
Confesso que já ultrapassei a fase do pulo nas ondas, das sementes de romã na carteira de cédulas, da roupa branca na hora da “virada”. Entretanto, depois de um ano tão pouco amistoso, natural que também leve em consideração certas previsões acerca de tempos mais amenos. De acordo com um amigo, Ramiro Mora, especialista em Astrologia Védica, a partir de 16 de janeiro já poderemos sentir uma energia melhor, porque Saturno deve parar de arengar com Escorpião. Os dois teriam ficado na mesma casa, em 2016, medindo forças, se estranhando feito casal que não suporta mais dividir o mesmo teto – daí a razão maior de tanto desmantelo. Porém, distensionando-se essa relação de amor e ódio, a contar daquele dia o mundo terá alguma calma. Tomara. Aceito essa possibilidade de bom grado, hoje, sem ao menos me permitir desconfiar que talvez a sensação de paz represente algo que esteja muito além de entreveros astrológicos. Duvidar por que, se até as ilusões pedem para serem deixadas em paz, no 31 de dezembro?
Venha o que vier, o importante é saber que tudo no mundo é provisório – para o bem e para o mal –, que todas as experiências humanas ensinam a evoluir, embora queiramos sempre aprender com a alegria e não com as dores, e embora o crescimento de cada pessoa não seja, muita vezes, como um objeto constelar que se pode ver a “olho nu”. Navegar continuará sendo preciso, mas viver, mais ainda. E viver significa administrar com calma os dias e as circunstâncias, de maneira que seguir adiante represente, em vez de uma ordem, uma alegria. O maior entre todos os desafios humanos se renova, portanto: cuidar de si sem se perder do outro, pois, afinal, a vida não faria o menor sentido nem teria a menor graça sem solidariedade.