07-01

 

Cantora, compositora, artista plástica e folclorista, ela foi a voz de uma geração de revolucionários e jovens.

Luce Pereira (texto)
Jarbas (arte)

Há pessoas nas quais a arte pulsa tanto que é capaz de sair pelos poros e invadir milhares, transformando e melhorando o mundo. No caso da chilena Violeta Parra, que no próximo dia 4 de outubro faria 100 anos, o talento se manifestou não apenas em letras e melodias geniais, como em telas e trabalhos com cerâmica que acabaram indo parar em endereços célebres. O Museu do Louvre, em Paris, foi um deles. Tudo muito para uma mulher de origem humilde, nascida em San Carlos, uma comuna da província de Nuble, mas merecido, porque, não bastasse a eterna preocupação com o social, que lhe rendia respeito e prestígio junto a toda uma geração de revolucionários e jovens idealistas, ainda se aventurava a mergulhar fundo no folclore do seu país, revelando o que nascia das mãos e da imaginação do povo. Uma artista intensa, engajada e comprometida, que fez de sua arte arma poderosa contra a opressão. Sem medo. Qualquer compatriota dela, hoje, é capaz de encher o peito de orgulho e defendê-la como a maior intérprete que o país já teve, ao que brasileiros na flor da idade durante os Anos Dourados fazem coro.
Foram muitos suspiros e arrepios quando a argentina Mercedes Sosa (em dueto com Milton Nascimento) e a insubstituível Elis Regina gravaram/cantaram sucessos como Volver a los 17 e Gracias a la vida. As três já partiram, mas ainda hoje é difícil não se deixar tocar pela verdade e a beleza das músicas, que levam multidões de apaixonados por autora e intérpretes a dizer, num misto de desconsolo e lamento, “parece que foi ontem”. De fato, parece, porque tudo continua atual, tudo tem ar de contemporâneo, o que, também, ajuda a explicar a decisão do diretor chileno Andrés Wood de fazer um filme sobre a vida da estrela, Violeta se fue a los cielos (Violeta foi aos céus, com a atriz Francisca Gavilán vivendo o papel principal), que estreou no Brasil em 2012 e ajudou a aplacar a saudade de uma legião de fãs ainda disposta a se valer de velhos vinis para sentir aquela mesma emoção.
Violeta passou a vida entre as cidades de Valparaíso, Santiago, Buenos Aires, Concepción (Paraguai) e Paris, mas viajou por países da Europa, foi à União Soviética e circulou pela América Latina, quando já era conhecida na música e também passava a receber elogios da crítica especializada em artes plásticas. Tudo parecia fluir bem: quatro filhos (dois do primeiro casamento, dois do segundo) que partilhavam o mesmo caminho na cultura; o respeito e o prestígio, inclusive internacionais; o envolvimento absoluto com tudo o que mais adorava fazer, além em 33 discos gravados (quatro só de músicas folclóricas). Porém, não soube conviver com o fim de um relacionamento e o fracasso em que resultou sua decisão de criar, no Chile, um centro de referência para a cultura folclórica. Suicidou-se com um tiro na cabeça, em Santiago, no dia 5 de fevereiro de 1957, quando ainda nem havia chegado aos 50 anos.
Mas, foi uma trajetória tão rica e essencial na tarefa de projetar a imagem do país além de suas fronteiras, que o Chile se prepara para, em outubro, celebrar em altíssimo nível o centenário dela, considerada pelos compatriotas como dona de uma obra poética capaz de merecer, a exemplo de Bob Dylan, o Prêmio Nobel de Literatura. Biografias, concertos, festivais, exposições e congressos internacionais fazem parte do leque de atividades previstas para a ocasião – e Violeta, mais uma vez, mostrará o país ao mundo sob uma perspectiva cultural digna de continuar atraindo o interesse de admiradores e pesquisadores.
A maior especialista no assunto é também da terra, a doutora em literatura Paula Miranda, autora do livro A poesia de Violeta Parra, lançado em 2013 – e ninguém mais autorizado para definir a importância da artista: “A poesia em sua máxima expressão é aquela que consegue transformar o mundo, e isso é o que Parra faz em Gracias a la vida”. Sua arte não é de adorno nem de entretenimento, mas de reflexão e emoção”, declarou em entrevista ao jornal El País. Quem acompanhou o trabalho, naqueles anos belos e duros, não tem a menor dúvida.