Há 39 anos, unidade de Emden encerrava a fabricação do carro para os mercados da Europa e EUA.
Luce Pereira (texto)
Silvino (arte)
O mundo está cheio de ícones que jamais perderão a majestade, embora nem sempre seja simples explicar a paixão por alguns. O Fusca, por exemplo. É fácil observar o fascínio que o carrinho, mesmo aposentado, continua a exercer sobre milhões ao redor do planeta, através da simples postagem de uma foto nas redes sociais. Chovem comentários saudosos, sem nunca faltar um ou outro relato mais apaixonado, quando ele é geralmente incluído entre as memórias mais queridas. Amanhã faz 39 anos que a unidade alemã de Emden fabricou o último exemplar para a Europa e os Estados Unidos, enquanto a produção para o mercado latino-americano estendeu-se por mais 14 anos (2003), através da fábrica instalada em Puebla, no México. Surpreende que tanto tempo depois continue a arrancar suspiros, mas lenda é lenda, não tem prazo de validade para expirar. Aliás, as verdadeiras atravessam séculos dispensando explicações.
O passado do Fusca, sua origem, bem que poderiam condená-lo, pois foi um projeto nascido de uma ordem de Hitler. No entanto, logo se transformou em respeitado símbolo do milagre econômico alemão do pós-guerra, indo parar nas mãos do Aliados como forma de reparação pelo período de atrocidades. Abriu-se caminho para o “besouro” conquistar o mundo, com o marco, em 1955, de mil unidades vendidas. Milagre, também, que tenha, até essa etapa, conseguido vencer julgamentos severos como aqueles feitos pelos ingleses participantes do bloco aliado, segundo os quais o carro era mais problemático do que “pulga em cachorro”. Mas o aperfeiçoamento constante de técnica e design conseguiram vencer o pessimismo inglês e em 1950 já havia saído 100 mil das unidades de produção.
Em sua trajetória vertiginosa para se tornar o queridinho do mundo, o Fusca chegou aos Estados Unidos batizado como Beetle e cinco anos depois a Volkswagen comemorava 1 milhão de unidades fabricadas. Era a glória. Nenhum outro carro popular conseguiria performance tão admirável durante o curso da História, o que pode ser imaginado através da própria trajetória dele no país de origem. Estima-se que entre alemães com idade superior a 40 anos não haja nenhum sem nunca ter dirigido ao menos uma vez o “besouro”, famoso pelo preço acessível, a economia de combustível, o motor simples e por não viver dando dor de cabeça aos donos. Era resistente como a juventude aos preconceitos, na década de 1960, quando se encontrava no auge da aceitação.
Tão na “crista da onda” estava que os estúdios Disney não tiveram dúvida ao escolhê-lo para ser a estrela de um filme. O carrinho sapeca chamado Herbie encantaria o mundo com sua inteligência, carisma e personalidade, vindo a protagonizar nada menos do que seis produções, a partir do sucesso da primeira, Se meu Fusca falasse (1968). Depois surgiram As novas aventuras do Fusca (1974); Um Fusca em Monte Carlo (Ou Herbie – O Fusca enamorado (1977); A última cruzada do Fusca (1980); Se o meu Fusca falasse (remake do primeiro/1997); e Herbie – Meu Fusca turbinado (2005), estrelado por Lindsay Lohan. É preciso dizer que entraram na briga pela escolha do carro que viraria a ser astro de Hollywood as marcas Chevrolet, Fiat e Volvo, mas nenhuma conseguiu chamar tanto a atenção com seus modelos.
No Brasil, o automóvel ainda teria uma sobrevida, com a decisão do presidente Itamar Franco de o país retomar a fabricação, em agosto de 1993. Mas o oxigênio só durou até o fim de junho de 1996 e então o pequeno notável saiu definitivamente de cena. Estava ultrapassado para competir com o desejo da maioria de experimentar as muitas novidades do mercado automobilístico. Hoje, as palavras Fusca, Fusquinha e Fuscão fazem parte de um relicário de memórias afagado por colecionadores, clubes, blogs, sites, páginas em redes sociais e eternizadas numa infinidade de conceitos e produtos. Algo como se o mundo não tivesse a menor intenção de esquecê-lo jamais.