20.01

 

Morte do ministro interrompe processo da Lava-Jato no STF, até que seja aprovado nome do substituto.

Luce Pereira (texto)
Arte DP (imagem)

Os dias têm se encarregado de jogar por terra aquelas teorias bem-humoradas do tipo “Deus é brasileiro” e “moro num país tropical, abençoado por Deus”. Tropical o Brasil continua, mas a intimidade com o divino vem sendo questionada e vertiginosamente esquecida pela ocorrência de grandes tragédias e a única teoria em voga, na verdade, é a “da conspiração”. Ontem, ela voltou robusta à cena depois que a aeronave na qual viajava o relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki, caiu no mar de Paraty (sul do Rio de Janeiro). Outra vez, um desastre aéreo deixou o país perplexo, não apenas por ser mais um adicionado ao saldo inacreditável de ocorrências do tipo, registradas em 2017, mas por que a morte do ministro representa enorme perda, sobretudo diante das atuais circunstâncias políticas. Cada passo dele era acompanhado com interesse pela classe, porque estava em suas mãos a homologação das chamadas “delações do fim do mundo”, que continham inúmeros depoimentos de altos executivos da empreiteira Odebrecht, como forma de colaboração ao trabalho da Justiça. A expectativa era de que o relator passasse a decidir, em fevereiro, se oficializava ou não as tais delações, o que, naturalmente, traria alívio ou enorme dor de cabeça para gente graúda dos governos Michel Temer e Dilma Rousseff.
Com a morte de Teori Zavascki, o cenário da Lava-Jato fica ainda mais conturbado e, inevitavelmente, o processo passa a sofrer desaceleração como consequência dos trâmites legais relativos à escolha do substituto. Por se tratar de assunto de extremo interesse para o país, no entanto, deveria ser levada em conta apenas a possibilidade que a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, tem, a partir de uma brecha no regimento da Casa (Parágrafo primeiro do Artigo 68, que trata de excepcionalidades) de escolher o nome do sucessor sem esperar pela decisão do presidente Michel Temer, a quem caberia diretamente a indicação. Para se ter apenas uma ideia do que significaria aguardar o nome da preferência do Palácio do Planalto, até o STF eleger Edson Fachin como substituto do ministro Joaquim Barbosa, que deixou a Corte para se aposentar, foram necessários onze meses.
Sem dúvida nenhuma, eram muitos os olhos sobre o trabalho do catarinense Teori, considerado por todos como uma pessoa reservada, de poucas e verdadeiras amizades, o que de certa forma o mantinha fora do alcance de influências e interesses poderosos vinculados à Operação. Ao jeito discreto, de quem preferia mais ouvir do que falar, somaram-se os reflexos de duas perdas recentes e importantes – a da mulher, Maria Helena Marques de Castro Zavascki, 50 anos, juíza federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em 2013, e a da mãe, Pia Fortuna Zavascki, 101, ano passado. Somente se mostrava mais relaxado na companhia dos filhos, quando ia a Porto Alegre. Do contrário, a vida social se resumia a algumas aparições em restaurantes e bares de Brasília, bem ao contrário, por exemplo, do ministro Gilmar Mendes (em férias em Portugal), que adora circular na companhia de personalidades das esferas política e jurídica, além de gostar muito de recebê-las em recepções e jantares oferecidos em casa.
No entanto, se o recolhimento e a discrição sempre foram vistos como pontos positivos no comportamento, o ministro, indicado pela então presidente Dilma Rousseff, não conseguiu sair do centro de algumas polêmicas graúdas como a prisão do então senador pelo Mato Grosso do Sul Delcídio do Amaral (sem partido), as buscas na residência oficial do então presidente da Câmara, o peemedebista carioca Eduardo Cunha, e a demora (quase cinco meses) para suspendê-lo do cargo, o que só viria a ocorrer após a admissibilidade do impeachment na Casa. Sim, diante da morte tudo perde momentaneamente a importância, mas, com o passar dos dias, duas perguntas insistirão: terá sido apenas uma fatalidade e se o país continuará tentando a todo custo passar a limpo o capítulo mais importante de sua História recente.