21.01

Nem a posse de Trump nem a morte do ministro Teori Zavascki arrefeceu o humor fora de hora nas redes sociais.

Luce Pereira (texto)
Arte DP (imagem)

O mundo está cada vez mais estranho. Disso ninguém tem dúvida, porque à medida que a realidade vai produzindo fatos dantescos, as reações caminham em sentido contrário, com a maioria preferindo fazer graça quando deveria estar, no mínimo, de queixo caído, ao menos se perguntando como será o amanhã. Mas, que nada!, isso não passa de frase de samba e, além disso, daí a pouco vai ter sol, praia, cerveja. É fim de semana, brasileiro não gosta de desperdiçá-los com dramas cotidianos. O que seria sério, afinal, se até ameaças reais viram piada? Ontem, dia em que Donald Trump colocou os pés na Casa Branca – cujos recantos ainda deveriam refletir a classe e o bom gosto dos últimos inquilinos –, as redes sociais expressaram farta e impiedosamente a indiferença de muitos com o início de era tão cheia de medos e dúvidas. De brincadeiras com a maleta preta que contém códigos de acionamento de armas nucleares ao modelo usado pela primeira-dama, Melania Trump, tudo foi motivo para comentários jocosos nas redes sociais, território onde o bom senso é procurado com lupa, feito agulha em palheiro.
Nem mesmo as primeiras revelações sobre o acidente que matou o ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, relator da Operação Lava Jato, escaparam do falatório. As más línguas tinham que encontrar uma forma de fazer o assunto render da pior forma possível e aí se dedicaram a lançar dúvida sobre a reputação da massoterapeuta Maíra Panas, 23, e de sua mãe, a professora Maria Hilda Panas, 55, que estavam a bordo como convidadas do dono da aeronave. Embora qualquer pessoa tenha o direito de viver da forma que quiser, as duas se transformaram em alvos fáceis de julgamentos maledicentes, dos quais já não poderiam se defender. Nem valeria a pena, se pudessem. Molho especial foi adicionado à galhofa, a fim de manter acesa a tal teoria da conspiração, quando ventilou-se a hipótese de ninguém mais querer viajar de avião, se estiver entre os passageiros o juiz Sérgio Moro, a estrela da Lava Jato. Por motivos óbvios, não faltariam interessados em ver o juiz passar desta para melhor.
Independentemente de ainda haver controvérsias sobre as circunstâncias em que foi dita e sobre o verdadeiro autor da frase “o Brasil não é um país sério” – atribuída ao presidente francês Charles Degaulle, durante uma visita em época próxima ao carnaval – aqui tudo concorre para a afirmação fazer sentido. Mas isso está longe de merecer algum orgulho. A fama de alegre do povo brasileiro tende a ser confundida com irresponsabilidade justamente porque o mundo se comporta de outra forma diante de temas que podem mudar o curso da História – em nível nacional ou internacional. Se Hillary Clinton estava de olheiras, na posse de Trump; se, finalmente, um estilista (Ralph Lauren) resolveu fazer a roupa de Melania vestir na cerimônia no Capitólio; se o filho mais novo do casal presidencial, Barron, 10 anos, tem ar de menino que foi esquecido em algum parque da Disney e só encontrado uma semana depois, tudo isso não deveria merecer mais do que boas risadas no almoço do domingo, porém fez a festa nas timelines e sinalizou para o óbvio: jogamos a toalha, ligamos o botão do piloto automático.
E que venha o carnaval, a fábrica onde o país aperfeiçoa a indiferença diante do que não quer ou não suporta ver. Então, mais uma vez, o mundo deve se perguntar de que material é feita a indignação dos brasileiros, concluindo, talvez, que de confete e serpentina. Mas isso não poderia nunca ser tomado como ofensa – porque o mundo tem direito (e motivos) de não nos levar a sério.