26.01

 

Pernambucano vai a Brasília para apresentar, no Ministério da Saúde, aplicativo de combate ao Aedes.

Alice de Souza (texto)
Mandy Oliver (foto)

O silêncio das salas de aula esvaziadas ressoava na inquietação do estudante Jeovani Cipriano, 18 anos. Era 2014 a tríplice epidemia de arboviroses começava a se desenhar nos bairros de Jardim Brasil I e II, em Olinda, retirando do convívio escolar alunos e funcionários da Escola de Referência em Ensino Médio (EREM) Desembargador Renato Fonseca. A ausência de metade dos colegas de classe foi como um gatilho para a proatividade de Jeovani. Ele se valeu da matriz base de qualquer conhecimento – a dúvida – para começar uma transformação na comunidade onde vive.
Preocupado com as faltas, Jeovani reuniu um grupo de amigos e, com o apoio da coordenadora da biblioteca, Jorgety Cabral, trocou o tempo de folga, no contraturno escolar, pela saída às ruas do bairro para contabilizar o número de pessoas doentes. Analisou os dados – eram mais de 150 casas visitadas a pé – montou uma planilha e encaminhou ao poder público. Era a primeira tentativa de inserir a problemática do bairro na agenda política de ações. Diante da baixa contrapartida, ele voltou a mobilizar o grupo para refazer a contagem, meses depois, e aproveitou as estatísticas para analisar como poderia encontrar uma solução.
Lixo acumulado na calçada da escola, canaletas entupidas, esgoto a céu aberto, carcaças de carros abandonados pelas ruas. Os alunos identificaram ponto a ponto os motivos para o Aedes fazer a “festa” no bairro. Continuaram cobrando do poder público, porém, transformaram a inquietação em ações práticas. Jeovani, o jovem proativo, virou noites pesquisando como fazer um aplicativo. Criou a plataforma “Caça ao Aedes no bairro de Jardim Brasil” e pediu denúncias aos vizinhos.
Se os braços da agenda política não alcançavam todas as casas do bairro, ele e os amigos estavam dispostos a cobrir as lacunas. Jeovani colocou a notícia no jornal do colégio, do qual também é editor, chamou a imprensa para noticiar, avisou aos amigos e conhecidos. A rede de informação cresceu e os relatos extrapolaram as fronteiras de Jardim Brasil. A plataforma recebeu mais de 200 denúncias de 1,2 mil usuários, até de outros estados. Foi preciso mudar o plano de celular para conseguir ligar para o gabinete dos secretários de Saúde dos estados do Piauí e da Paraíba. Isso porque a ideia é repassar as denúncias para os gestores responsáveis pelas regiões. Jeovani trocou o pré-pago por uma franquia de R$ 69,90 mensais, dinheiro que sai do próprio bolso, para dar conta da demanda.
O aplicativo de Jeovani e dos amigos foi um dos vencedores da Feira Ciência Jovem, cujo prêmio é uma viagem em junho próximo ao Paraguai, para participar da Feira de Tecnologia de Assunção. Amanhã, o grupo embarca para Brasília, a convite do Ministério da Saúde, onde também apresenta a plataforma. Em vídeo, o ministro Ricardo Barros chama a iniciativa de brilhante. “O aplicativo se destaca como uma ferramenta de suma importância por ser elemento de divulgação e levantamento de dados que subsidiam os gestores de saúde”, destaca trecho da carta endereçada aos estudantes.
Durante os dois anos de ação, não foram poucos os questionamentos. “E vale a pena?, “Vocês não ganham nada com isso?”, disparam amigos e conhecidos. Jeovani poderia listar a repercussão da própria iniciativa, bater no peito e dizer “olha onde chegamos”. Mas, para falar de resultados, ele prefere se voltar para a própria comunidade.
O descarte irregular de lixo amenizado, os agradecimentos da vizinhança. “A gente ganha sim. Conhecimento, reconhecimento, saber a realidade das pessoas. A maioria dos alunos fica ali no muro da escola e a gente vai para a prática, vê a realidade e ajuda o próximo”, justifica o adolescente, quando indagado sobre os ganhos de ter iniciativa.
O combate ao Aedes é só uma vitrine das demandas requerendo mobilização social. As provocações chegam por todos os lados, da conversa com os amigos à polêmica do dia nas redes sociais. A justificativa de Jeovani para a própria proatividade e a empolgação diante dos projetos são também uma provocação. A mudança – força motriz da evolução da sociedade – não está sentada no sofá de casa nem diante da tela de um computador, estará sempre condicionada à ação.