27.01

 

Protesto hoje, no Fórum do Recife, denuncia o extermínio de jovens pobres e negros no Brasil.

Marcionila Teixeira (texto)
Ricardo Fernandes (foto)

Mário sabia da proximidade de sua morte. Aconteceu precocemente. Quando tinha apenas 14 anos. Seu corpo recebeu duas coronhadas e três tiros. Naquele dia, o menino seguiu as instruções da mãe. Nunca, em qualquer hipótese, deveria reagir durante uma abordagem policial. Então, primeiro ajoelhou no chão e pôs as mãos na nuca, como mandou seu algoz. Em seguida, deitou. Nunca mais retornou à vida. A execução aconteceu diante de dezenas de pessoas na Avenida Dois Rios, no Ibura. Cerca de um mês antes, a CPI do Senado sobre o Assassinato de Jovens chegava a conclusões já conhecidas dos movimentos sociais. Mata-se quatro vezes mais negros que brancos no Brasil.
A chegada da morte deve ter durado uma eternidade na cabeça do menino. Na primeira coronhada, caiu tonto no colo do amigo, com apenas 13 anos. Suas últimas palavras foram: “Tô me sentindo tonto. Eu sei que vou morrer hoje. Só dá um beijo em minha mãe. Diz que eu amo muito ela”. O amigo, atordoado, apenas respondeu: “Não vai não, Mário. Chama por Deus, chama por Deus”. O crime aconteceu na noite de 25 de julho de 2016.
Mário Andrade de Lima cursava o 8° ano pela manhã. Trabalhava à tarde, na venda de gás de cozinha, e à noite, fazendo sucos em uma lanchonete. No dia do sepultamento, iria começar um estágio como menor aprendiz. O sonho dele era ser empresário. Falava para a mãe sobre criar uma fábrica de feijão. A marca seria Bom feijão. “A senhora vai ver”, prometia o menino. A mãe apoiava. Torcia. A partida de Mário deixou uma dor sem tamanho em sua mãe e irmãs, com cinco e seis anos. Por uma semana, as crianças calaram. A mais velha desejou morrer para “morar” junto com o irmão. O pai, iria conhecer pessoalmente este ano, em Brasília.
O estudante foi executado na volta para casa, depois de assistir a uma partida de futebol. Estava de bicicleta, com o amigo. O sargento reformado da PM Luiz Fernando Borges, 50, vinha no sentido contrário, em uma moto. Segundo testemunhas, fazia movimentos de zig-zag com o veículo. Também estaria alcoolizado. A moto do acusado e a bicicleta de Mário se encontraram. O sargento teve um ferimento no pé. Um amigo do PM vinha logo atrás, em outra moto. Abordou os meninos, procurou algo suspeito. Não encontrou. A partir daí, começou o calvário dos jovens.
A princípio, o menino branco teria sido liberado da morte. O problema era com o outro, o menino negro. O garoto obedeceu, mas voltou ao ver o amigo ajoelhado em via pública. Só conseguiu escapar porque correu dos tiros. Chegou a ser atingido, mas sobreviveu para contar sua versão da história. Mário não podia reagir. Apenas pediu humildemente para não morrer. Palavras jogadas ao vento. Morte na certa, como havia comentado antes. O sargento foi identificado. Apresentou-se à polícia no dia 3 de agosto. Responde ao processo judicial no Centro de Reeducação da PM (Creed), em Abreu e Lima.
A história de Mário é emblemática. A mãe dele, a diarista Joelma Lima, escolheu lutar pela memória do filho inocente. O sargento chegou a dizer que atirou para se defender de dois assaltantes. Joelma organizou para as 10h de hoje um protesto na frente do Fórum Joana Bezerra. Às 13h, está marcada a segunda audiência do caso. “Ele matou o filho da mãe errada. Por isso peço às mães que tiveram filhos mortos pela polícia que não tenham medo e denunciem. Se eu tivesse ficado calado, ele estaria solto. Dou minha vida pela honra de meu filho”, desabafa.
Joelma tem planos de sair do Ibura. Bairro onde criou o filho. Não dá mais para respirar no mesmo espaço onde o menino foi executado. Sua história e luta jamais podem ser esquecidas. Porque fazem refletir sobre o genocídio de uma população jovem, pobre e negra em um país formado por racistas e preconceituosos. Os mesmos que, em sua violência velada, entortam a cara, escondem suas bolsas ou travam suas portas ao menor sinal de aproximação de um suspeito. E ele nunca será qualquer um. Porque tem cor de pele e roupa específicas.