31.01

 

ONU institui 30 de janeiro como Dia Internacional da Não Violência e assim presta homenagem a Gandhi.

Luce Pereira (texto)
Samuca (arte)

Às segundas-feiras, o relógio aponta o retorno à rotina de trabalho, pondo fim à breve trégua concedida pelo fim de semana, e a maioria se encontra com todas as atenções voltadas para agendas e obrigações. Costuma ser assim. Mas, ontem, pairou no ar o apelo que a ONU faz desde que resolveu instituir 30 de janeiro como data dedicada a celebrar a não violência, homenagem da instituição ao pacifista Mahatma Gandhi, assassinado exatamente neste dia, em 1948. Quando o assunto é deixar o espírito iluminar a vida, o que não implica em prejuízo para a razão, os indianos são mestres e não encontram dificuldade em conquistar mentes e corações ao redor do mundo, embora, hoje, apesar de toda aquela sabedoria, o mundo esteja mais conturbado do que nunca, porque sacudido por uma onda gigantesca de desrespeito aos direitos humanos.
Tantos e importantes ensinamentos, fruto de reflexões seculares, teriam deixado de interessar? Não é bem assim. Os sábios dizem que promover a paz revela-se uma tarefa que nunca finda, pois, de tempos em tempos, quando a conjuntura mundial se mostra altamente desfavorável às liberdades e direitos, a fé nos valores mais caros e fundamentais é a primeira a ser abalada. Neste caso, em lugar de desistir de acreditar em belas ideias como as que foram pregadas por Gandhi, até a morte, os homens precisam defendê-las com unhas e dentes, sob pena de o planeta se aproximar perigosamente do apocalipse.
A propósito, não se pode esquecer que este risco cresceu enormemente com a eleição de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos e a partir de suas catastróficas declarações a respeito do clima e da necessidade de expansão do arsenal nuclear dos Estados Unidos, além dos questionamentos acerca das agências de inteligência. Segundo o Boletim dos Cientistas Atômicos (BPA), o ponteiro do relógio Doomsday, que diz quão próximos nos encontramos de uma hecatombe, moveu de três para dois minutos e meio antes da meia-noite. E quanto mais perto dela, mais iminente estaria o fim do mundo, de acordo com esses pesquisadores, que fizeram um alerta impossível de ser ignorado: é a marca mais próxima da “meia-noite” a que o relógio chegou desde 1953, quando o ponteiro foi movido para dois minutos por causa de testes com a bomba de hidrogênio realizados pelos EUA e pela Rússia.
Que falta faz ao planeta, nos dias de hoje, almas com a grandeza que tinha a de Mahatma Gandhi. No entanto, o legado da não violência, da Cultura de Paz, existe e é indelével, embora não possa ser acessado sem o mínimo de reflexão acerca de sua importância. Agora, não se trata de escolher entre “deixar como está para ver como fica” e agir: o mundo, ao que parece, não tem mais escolha, precisa se antecipar ao pior voltando à sala de aula para reaprender o que os grandes gurus espirituais de todos os tempos pregaram incansavelmente. Não se trata de “salve-se quem puder”, mas de salvemos, todos, a possibilidade de vida na Terra.
O diálogo, a cooperação e a solidariedade – alguns dos principais pilares da Cultura de Paz – precisam ser urgentemente buscados, para que a injustiça não grasse a ponto de destruir a ideia de que é possível haver entendimento e respeito entre os povos. É preciso, embora nem o próprio líder pacifista tenha conseguido não ser alvo dela: morreu, inclusive, sem receber o Nobel da Paz, mesmo tendo sido indicado cinco vezes, entre 1937 e 1948. O comitê só reconheceu o erro décadas depois quando o presidente, ao entregar o prêmio ao Dalai Lama (Tenzin Gyatso), em 1989, disse que “em parte era um tributo à memória de Mahatma Gandhi”. Antes tarde do que nunca.