02.02

 

Estudo da Universidade de Oxford diz que no futuro um em cada dois postos de trabalho será eliminado.

Vandeck Santiago (texto)
Pedro Armestre/AFP (foto)

E se o governo desse a cada cidadão, todo mês, uma renda fixa, independente de o cidadão estar ou não trabalhando? Algo assim, digamos, como uma espécie de bolsa família individual, para adultos e com um valor bem mais elevado.
Parece um devaneio esquerdista, não é? O candidato recém-escolhido do Partido Socialista, na França, Benoît Hamon, por exemplo, tem esta proposta como um dos destaques do seu programa de governo.
Pode até parecer coisa de esquerdista, no Brasil certamente seria visto assim, mas na Europa há políticos e partidos conservadores e de direita defendendo esta chamada “renda universal”. Não só como retórica de campanha, mas como prática de governo. Agora em janeiro de 2017 o governo (conservador) da Finlândia adotou a medida, e começou a testá-la com 2.000 finlandeses. Cada um deles receberá 560 euros (cerca de R$ 1.900, no câmbio de ontem), líquidos, sem ter que dar nada em troca. Nada, nadinha – não terão que fazer nenhum curso de capacitação, não terão que dar uma uma hora de serviço em nenhuma creche, nada.
O programa-modelo durará dois anos. Em 2019 será feita uma avaliação dele, visando uma possível ampliação para toda a população. A meta é que a renda mínima substitua todos os benefícios sociais hoje concedidos pelo governo (como seguro-desemprego, por exemplo).
Uma das avaliações é familiar para nós, brasileiros: os técnicos do governo querem saber se um dinheiro cedido gratuitamente, sem contrapartida, não provocará uma onda de gente preguiçosa, que por já ter um vencimento fixo perde a vontade de trabalhar… Não quero me meter nos assuntos de outro país, mas julgo que considerar que uma renda mínima provoca preguiça é uma das maiores falácias do nosso tempo. Deixemos, porém, que os finlandeses descubram isso por eles mesmos.
Há pelo menos dois fatores por trás desse interesse de progressistas e conservadores europeus pela renda universal, que necessariamente não se manifestam simultaneamente em todo lugar: o primeiro, buscar frear o avanço de extremismos que se escoram na população mais empobrecida; o segundo, o fato de que o avanço tecnológico vai ceifar empregos e ocupações em grandes proporções. De cada dois postos de trabalho, um deverá ser eliminado, prevê estudo da Universidade de Oxford (Inglaterra), divulgado em janeiro de 2016. Como resultado, 57% da força de trabalho dos 34 países que compõem a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) podem simplesmente virar pó, cogita o estudo. Só lembrando que fazem parte da OCDE países como França, Alemanha, Estados Unidos, Japão, México, Chile, Finlândia…
A revolução tecnológica, diz o presidenciável francês Benoît Hamon, é uma oportunidade formidável, mas ela terá consequências danosas sobre o mercado de trabalho se não forem criadas alternativas aos que perderão o emprego com as mudanças. Um dos temas das eleições presidenciais francesas deste ano, é que estamos caminhando para um tempo (talvez até já estejamos nele) em que não haverá empregos para todos. Historicamente, a direita universal sempre fez ar de enfado para políticas de proteção social – cada cidadão que se esforçasse para progredir, individualmente. Não conseguiu? Então que se exploda. Muitos no Brasil ainda seguem esse credo fomentador de injustiças e de tensões sociais. Na França, porém, a candidata da extrema-direita, Marine Le Pen, defende com ardor o sistema de proteção social – a restrição que ela faz é que o sistema seja para os franceses, não para imigrantes e assemelhados.
Vejam vocês que estou dando exemplos de países ricos, o que gera o raciocínio de que o caixa deles tem recursos para a concessão dos benefícios (embora caiba aí também a reflexão de que o padrão de vida de suas populações, em média, é superior a dos demais países, como o Brasil, por exemplo). A eventual “riqueza” para esse tipo de medida não é homogênea – comparações entre Finlândia, França e Brasil exigiriam diversas variáveis. O mais importante aqui, porém, não é a soma bruta para o programa, mas a ideia do programa – há uma larga fatia da população vulnerável aos desafios do presente e mais ainda aos do futuro, e estas pessoas não podem ser largadas à própria sorte.