Na raiz de muitos dos desrespeitos que acontecem diariamente está o hábito de não pensar no outro.
Vandeck Santiago (texto)
Arquivo DP (foto)
Se houver uma terceira guerra mundial não sei o que vai acontecer, mas tenho certeza que pelo menos duas espécies sobreviverão: as baratas e o chato de cinema. Este é aquele(a) camarada que empurra as pernas na cadeira (ocupada) da frente, que fala longamente ao celular durante a sessão, que conversa alegremente com a sua companhia, que come durante o filme todo, que fica de pé à sua frente antes de o filme acabar – é um personagem eterno das salas de cinema.
Quando eu era criança não em Barbacena, mas na aprazível Pesqueira (PE) havia um hilário personagem da – vamos generosamente chamar assim – cena cinematográfica local: um cidadão que ia ao cinema para de repente revelar o destino dos personagens ou da história. Aparecia alguém e ele gritava: “Esse morre no fim!”. Ou então, em relação a outro: “Tá se fazendo de bonzinho, mas é o assassino!”. Um Spoiler-man analógico. Os filmes no cinema Moderno de Pesqueira tinham ‘temporadas’ de dois dias na semana e três no final semana. Ele assistia no primeiro dia, e estragava a sessão de quem ia nos dias seguintes. Era odiado por todos nós, recebia suspensões frequentes da gerência do cinema (semanas sem poder entrar).
Trata-se de um caso, porém, talvez de tratamento médico. É diferente de outros que se comportam como se estivessem a sós na sala de casa. Lembro da estreia no Recife de Nascido para matar (1987), no São Luiz. Cinema lotado, ar condicionado precário e, de repente, o espectador ao lado liga um ventilador portátil em forma de caneta. Vrrruuummm… Desligava quando se sentia refrescado, mas logo que o calor voltava ele ligava de novo: vruuummm…
A gente até pode dar o desconto de que nos anos 1970/1980 o comportamento da plateia recebia estímulos da própria publicidade dos filmes e dos cinemas. Nesta foto de 1975, por exemplo, olha o que diz o letreiro ao lado do título do filme: “Você gritará de pavor. Saltará do seu lugar quando assistir Tubarão”… Hoje não tem mais esse tipo de propaganda. Entraram em cena outros componentes. Em 2005 (trinta anos depois do Tubarão que fazia gritar de pavor), assistindo a O segredo de Brokeback Moutain, escutei um cidadão negociar um boi pelo celular. Juro – preços, entrega, tudo. Um boi. Foi demais – a partir dali decidi nunca mais ir ao cinema.
De lá para cá tive recaídas. Na maioria das vezes, sem problema. Nem todas as vezes, porém. Em 2013, com O lobo de Wall Street, minha mulher pediu para trocar de lugar comigo porque o cidadão ao lado estava com gestos suspeitos. Mudamos, eu olhei para ele e em 15 segundos o camarada levantou-se e foi embora. Além do espectador mal-educado, que é eterno, temos agora o tarado, que aparece de vez em quando…
Os cinemas mudaram para os shoppings, as salas diminuíram, os preços aumentaram – mas o chato do cinema não muda. Semana passada eu e minha mulher fomor ver Até o último homem, em um cinema de shopping. Havia duas pessoas atrás de nós, ambas empurrando os joelhos em nossa poltrona (essa prática é um clássico não só dos cinemas; também dos aviões…). Você olha para trás, demonstrando o incômodo. As pessoas param; dali a pouco fazem de novo. Você se vira mais uma vez; elas param e, dali a pouco…
A hipótese primeira que surge para tentar explicar o fenômeno aqui descrito é que algumas pessoas levam para o cinema o comportamento que têm em casa diante da televisão. Talvez. Essa hipótese, porém, não explica tudo.
Creio que o motivo maior, de fundo, é o hábito de não pensar no outro.
Quem pensa no outro, com o sentimento de que devemos respeitá-lo assim como queremos ser respeitados, não deixa o carro estacionado de forma a dificultar a vida de quem está ao lado; não deixa o carrinho de compras no caixa do supermercado para que quem venha atrás empurre; não suja algo que alguém vai utilizar em seguida; tenta levar vantagem deslealmente na convivência diária com os colegas; não empurra os joelhos nas suas costas e, sobretudo, não empurra uma segunda e terceira depois que você demonstra que o gesto está incomodando…
Um simples pensar no outro evitaria muitas das tensões e conflitos que acontecem diariamente. E tornaria nossa convivência mais prazerosa não só no cinema.