Bombons e flores dão lugar a uma greve geral internacional pelo fim das injustiças e violência contra elas.
Luce Pereira (texto)
Jarbas (arte)
Bombons e flores são bem-vindos, nesta quarta-feira – porque, afinal, gentileza deve encontrar portas abertas a qualquer hora – mas não como substituição ao verdadeiro sentido do 8 de Março, data criada pela ONU, em 1975, para dar visibilidade às principais bandeiras de luta das mulheres. O que todas querem, sem sombra de dúvida, é justiça no mais amplo sentido da palavra: salários que não sejam pagos em função do gênero, mas da capacidade produtiva; jornada e condições de trabalho dignas; direito de escolher o que fazer com o próprio corpo; fim da violência a que estão expostas todos os dias e da misoginia manifestada por certos políticos e instituições, entre outros aspectos que afetam diretamente o cotidiano delas. Só que, neste ano, a maneira de pedir respeito extrapolou as discussões, eventos culturais e passeatas para assumir contornos mais fortes: milhões irão às ruas em 40 países (no Brasil, 60 cidades, incluindo 21 capitais), atendendo aos apelos de uma das maiores greves gerais internacionais já feitas por mulheres em toda a História. Marcharão sob o lema “Se nossas vidas não importam, produzam sem nós”. É um enfático basta aos níveis de exploração a que historicamente vêm sendo submetidas.
Depois do que se viu em 21 de janeiro, nos Estados Unidos – onde o movimento começou a ser desenhado – é pouco provável que haja dúvidas sobre a determinação delas de ir mesmo às ruas gritar por respeito a direitos. Um dia após a eleição de Donald Trump, estima-se que 2,5 milhões deixaram suas casas para protestar contra o novo presidente, famoso pelos discursos eivados de misoginia, e o nível de mobilização acabou animando as ativistas a convocar a paralisação geral. No país, elas pregam uma série de ações enérgicas para marcar o dia – bloqueio de estradas, pontes e praças, ausência do trabalho e, no âmbito doméstico, abstenção sexual, de cuidados e das tarefas rotineiras, além de outras previstas no documento subscrito por feministas famosas como a filósofa Angela Davis, professora da Universidade da Califórnia e ícone da luta por direitos civis desde os anos 1970, quando foi perseguida. No Brasil, a proposta da greve geral de mulheres está sendo coordenada e articulada pela organização 8M, que também segue as recomendações das ativistas norte-americanas, incluindo boicote total às atividades domésticas e profissionais, além de uso de roupas nas cores roxa e lilás. No Recife, a marcha pela Conde da Boa Vista em direção ao Derby começa às 16h20.
Não se pode dizer que haja qualquer exagero no esboço da reação, porque o cenário piora a olhos vistos e a cada dia. Ignora-se a segunda jornada (cuidado com a casa e com os filhos), enquanto a ONU calcula que estas tarefas representam algo entre 10% e 39% do PIB, serviços com peso superior, por exemplo, ao comércio. Fora de casa a realidade não é menos dramática, pois elas continuam a receber salários 30% menores do que homens na mesma função, enquanto eles têm melhores condições de trabalho. Mais: quando em idade produtiva, trabalhadores do sexo masculino são 76% do universo de empregados fixos e do sexo feminino, 50%, porque muitas ainda estão longe do mercado formal de trabalho. No Brasil, além disso, todas as mudanças nas regras da Previdência terão repercussões mais graves entre as mulheres.
Dos homens, mais do que bombons e flores, todas esperam no mínimo solidariedade. Que hoje os companheiros assumam as tarefas domésticas, como forma de apoio à luta, enquanto mães e filhas vão para as ruas na tentativa de mudar uma realidade injusta e cada vez mais inaceitável. A menos que, desafiando o lema do movimento, eles concluam que a vida delas não importa e que podem produzir sozinhos. Neste caso, devem começar por reverter o resultado do Censo 2010 do IBGE, que apontou 37,3% dos lares brasileiros sendo sustentados, direta ou indiretamente, por uma mulher.