22.03

 

Abrinq divulga estudo mostrando que trabalho infantil atinge 2,6 milhões de crianças e adolescentes do país.

Luce Pereira (texto)
Greg (arte)

Esta não é uma época que permita a ninguém dourar a pílula quanto ao presente e muito menos em relação ao futuro do país: a verdade é que os passos dados para nos aproximarmos do fim de vergonhas nacionais – como são o trabalho infantil, a pobreza e a violência de gênero – esbarrou em forças conservadoras contrárias a qualquer expressão de crescimento social e o resultado é mais retrocesso. Ontem, a Fundação Abrinq apareceu com o resultado de um estudo que seria recebido ao menos com sinais de inconformismo, há bem pouco tempo, mas acabou passando quase despercebido em meio ao clamor da vez – a lamentável qualidade da carne brasileira, assunto que dominou as redes sociais e provocou uma espécie de apagão no tema mais crucial, a reforma da Previdência. Naturalmente, desconfiou-se do fato de as duas catástrofes (para a população) coincidirem, mas no mundo das “coincidências” a que nos acostumamos o esperado é que um assunto suplante outro, independentemente do grau de importância, a depender da forma como chega aos ouvidos dos maiores interessados, no caso, os brasileiros.
O estudo da Abrinq não deixa dúvidas de que atingimos uma situação pouco confortável aos olhos de organismos internacionais para os quais respeito aos direitos humanos denota sempre o nível de desenvolvimento de uma sociedade. Por este critério, podemos ser apenas algo como uma nação condenada à “síndrome do caranguejo”, bichinho que leva a vida olhando para trás como se o futuro fosse uma experiência inútil ou sem graça. A fundação concluiu, com base em dados do IBGE, que cerca de 2,6 milhões de crianças e adolescentes estão desvinculados deste tempo de suas vidas porque expostos ao trabalho infantil, sobretudo nas regiões Nordeste e Sudeste, embora a Região Sul lidere, proporcionalmente, a concentração dos jovens nessa condição, apresentando 100% das crianças entre cinco e nove anos como trabalhadoras na área rural.
Se o trabalho infantil é proibido no país para menores de 14 anos, significa que este crescimento está associado a nenhum respeito à lei, à certeza de que não há fiscalização suficientemente sobre empregadores inescrupulosos e ainda à crise econômica, que leva as famílias a envolver todos os membros na tarefa de buscar meios de sobreviver. Entre os anos de 2005 e 2013, foi registrada uma redução de 81% desta mão de obra, mas, entre 2014 e 2015, um aumento de 11%, o que sinaliza para um retorno a estatísticas vexatórias dos primeiros anos do novo século. Mas a Abrinq deixou claro que os vilões do crescimento desse tipo de exploração já se encontram no próprio ambiente familiar, onde crianças e adolescentes são obrigados a cumprir tarefas que muitas vezes não deixam tempo livre para lazer e escola. Como se não bastasse, 17,3 milhões de menores até 14 anos vivem em situação de baixa renda, sobretudo nas regiões Nordeste e Norte (60% e 50%), segundo o Cenário da Infância e Adolescência 2017.
Com isso, acabaram-se as notícias ruins, ontem? Não, senão não seria o Brasil que vem se especializando numa crônica diária de fatos desastrosos, sob a desculpa de estar buscando fazer as pazes com o caminho do crescimento. Também as desigualdades social e de gênero se acentuaram, segundo diagnóstico do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O país despencou 19 posições no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e passa agora a ocupar o 79º lugar entre 188 nações. Ou seja, educação, renda e saúde ladeira abaixo. É de fazer chorar, sobretudo porque não se vê, no horizonte, além de ameaça de mais tempestade, desconfiança e possibilidade de que se descortinem novos escândalos. Segue neste compasso, embora haja sempre a esperança de que a sociedade tome para si a tarefa de promover as mudanças necessárias. Tem sido assim desde que o mundo é mundo.