Adulterações de alimentos e falta de cuidado com rótulos dão insegurança ao consumidor brasileiro.
Silvia Bessa (texto)
Juliana Leitão (foto)
Para o consumidor brasileiro, o pior é não ter certeza sobre a composição do que se compra no supermercado grande da esquina ou na bodega da periferia e ficar tranquilo com aquilo que se põe na mesa para a família. A dúvida sobre a qualidade da carne brasileira é a mais atual, mas – infelizmente e para a sensação de insegurança geral – não é a única. Há crimes de todos os tipos que envolvem a comida que se come neste país: denúncias e investigações sobre o azeite que é camuflado ou trocado por óleo, o leite que é adulterado com ureia ou formol, o queijo que tem data de validade prorrogada, o mel puro misturado com açúcar, o café que esconde cascas de árvore, o bacalhau da Páscoa trocado por outro pescado salgado qualquer de menor valor.
E não se pode esquecer da recente paçoca, alterada por toxinas acima do permitido e produzidas por fungos, como revelou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) após interditar há dois dias um lote do doce de amendoim da marca Dicel. A toxina em questão, chamada de aflatoxina, é considerada cancerígena. Além do dano à saúde em muitos casos de contaminação e adulteração, há outros crimes em razão de propagandas enganosas e da intenção de tirar proveito financeiro do bolso do comprador.
As denúncias são comuns, mas as técnicas de enganação costumam ser aprimoradas por certo tipo de produtor. No Rio Grande do Sul, na semana passada o Ministério Público liderou uma operação que resultou em cinco mandados de busca e apreensão junto a produtores de laticínios do estado. Todos estavam impróprios para o consumo humano e ofereciam risco à saúde pública. A operação gaúcha se chama “Leite Compen$ado” e teve início em 2013. Em função dela, 167 pessoas respondem a processos criminais; 16 já foram condenadas por organização criminosa.
Em sua 12ª fase, a denúncia atual baseou-se na informação de que substâncias eram acrescentadas ao leite e derivados para reduzir a acidez e eliminar micro-organismos de laticínios vencidos. Ou seja, maquiava-se um produto que deveria ter sido retirado da prateleira. No caso do creme de leite, usava-se água para amolecer produto vencido e ressecado. A fiscalização nem sempre é fácil. Coordenadora do Centro de Apoio de Defesa do Consumidor do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Caroline Vaz diz que, quando se descobre e coíbe um novo golpe, os grupos de fraudadores da linha de produção inventam uma nova técnica para o produto parecer vendável de novo.
As dúvidas relacionadas ao alimento se estendem para outro roçado: aquele que diz respeito em especial a alérgicos ou que possuem intolerâncias. Existe legislação nova sobre o tema mas nem sempre ela é respeitada. Trata-se da obrigatoriedade de as indústrias estamparem em seus produtos rótulos em comidas e bebidas nos quais estejam expressa a existência de trigo, centeio, cevada, aveia e suas estirpes hibridizadas, crustáceos, ovos, peixes, amendoim, soja, leite de todos os mamíferos, amêndoa, avelã, castanha de caju, castanha do Pará, macadâmia, nozes, pecã, pistaches, pinoli, castanhas, além de látex natural. Ou ainda rótulos que garantam a inexistência de tais alimentos.
No Brasil, a carne é um dos problemas, centro de muitos questionamentos. O maior drama com o qual convivemos, contudo, é a invisibilidade da ameaça daquilo que se põe na boca.