O que fazer com os trabalhadores manuais que ficarão desempregados com o avanço da tecnologia?
Vandeck Santiago (texto)
Nando Chiappetta (foto)
É prudente manter um pé atrás diante de previsões, porque de falsos profetas o inferno está cheio. Se previsão vier do Pentágono, porém, convém ouvir com atenção, porque foi do laboratório de lá que saíram a internet e o GPS. Pois bem, um relatório de seus pesquisadores aventa como será o mundo em 2045. Para um habitante do mundo de 2017, chama a atenção a relação que – segundo os pesquisadores – teremos com as máquinas e aparelhos no futuro. Uma das previsões é que vamos poder controlar aparelhos por meio de “sinais cerebrais” – ou seja, com o pensamento… Você pensa, e o aparelho obedece. Outra previsão é que as pessoas estarão aptas a se comunicar entre si por meio de “atividade neural”.
Já arquivei o texto; rogo a Deus estar ainda vivo em 2045 para constatar se a profecia vai se concretizar.
Enquanto isso, voltemos para o presente. Para o Recife. Para os ônibus da linha 072 – Candeias (Opcional), que fazem o trajeto entre Jaboatão dos Guararapes e o centro da capital pernambucana. Desde segunda-feira (27) o pagamento da passagem neles não é feito mais em dinheiro; só por meio do cartão VEM (Vale Eletrônico Metropolitano). De 1º de março até hoje, já são nove as linhas que funcionam com este método.
A essa altura imagino que o leitor mais impaciente deve estar buscando a relação entre o Pentágono e o VEM – a relação é o que nos aguarda no futuro. Nestas nove linhas não há mais cobrador. Não são mais necessários. É plausível supor que a tendência se expandirá rapidamente. Em São Paulo o prefeito João Dória (PSDB) anunciou em fevereiro que pretende acabar nos próximos três anos com a função de cobrador nos ônibus municipais. Na capital paulista só 6% dos passageiros pagam passagem com dinheiro; segundo a Folha de S. Paulo, o prefeito cogita aumentar a passagem para quem paga em dinheiro, forçando a adesão aos cartões. “A ideia é chegar a próximo de zero [o pagamento em dinheiro], tornando a função de cobrador inútil”, diz a matéria (FSP, 06/02/17, “Para pôr fim aos cobradores, Dória estuda tarifa mais cara em dinheiro”). Em São Paulo existem 20 mil cobradores. Segundo dados citados pelo jornal, eles “arrecadam por ano cerca de 300 milhões em dinheiro nas catracas, sendo que custam R$ 900 milhões ao sistema”.
Em São Paulo o argumento é o da economia; aqui tem sido o da segurança (menos dinheiro dentro do ônibus = menos interesse para assaltantes). Mas o resultado é o mesmo: a profissão de cobrador de ônibus já sente os efeitos da obsolescência. Independentemente dos argumentos e dos números, há uma pergunta aí que se impõe: para onde irão estes que ficarão desempregados? Que alternativas terão para se reinserir em um mundo que já os qualificou como obsoletos? Estou citando os cobradores em particular, mas podemos tomá-los como exemplos de profissionais diversas outras funções sob a mesma ameaça.
Minha impressão é que a política no Brasil ainda não despertou para esse problema; talvez porque o número de afetados não seja por enquanto grande o suficiente para despertar senso de urgência. Se não o é hoje, porém, com certeza será em um amanhã próximo.
Já é, por exemplo, nos países de economia mais desenvolvida (onde, por exemplo, a prática de ônibus sem cobradores é comum). Um estudo do Foro Econômico Mundial calcula que a automação destruirá sete milhões de empregos nas 15 maiores economias do planeta, nos próximos cinco anos. Nesse mesmo período, nesses mesmos países ricos, sob esse mesmo processo de automação, serão criados apenas dois milhões de empregos. Façam a conta: nos novos empregos que surgirão, cinco milhões de trabalhadores ficarão de fora…
No parlamento europeu foi aprovado em janeiro passado um informe que levanta a hipótese de implantar um imposto para as máquinas, a fim empregar o dinheiro aí arrecadado na seguridade social dos trabalhadores (ver “Los robots te pagarán la pensión”, suplemento Papel do jornal espanhol El Mundo, 21/02/17). Olha só: a gente aqui preocupado com cortes na Previdência e na Europa já estão pensando em imposto para os robôs…
O que fazer com os trabalhadores manuais que ficarão sem emprego diante do avanço tecnológico e das transformações na economia é um desafio não para 2045, mas para agora. Já está aí, descendo dos ônibus.