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Leopoldo Nachbin em 1943, aos 21 anos de idade, na sua formatura

Há momentos que marcam as nossas vidas. Pessoas que indicam o caminho. Há 24 anos, no dia 3 de abril de 1993, morria Leopoldo Nachbin. Nascido no Recife em 7 de janeiro de 1922, tornou-se, nos seus 71 anos de vida, um dos maiores matemáticos brasileiros, com reconhecimento acadêmico mundial.

Além de trabalhos publicados na Universidade de Princeton (Estados Unidos), uma temporada na Sorbonne (França) e uma bolsa da Fundação Guggenheim, poderia ostentar no seu currículo um título que obteve na infância passada em Pernambuco. O de ter sido amigo – e uma espécie de mentor – de uma menina nascida na Ucrânia chamada Clarice Lispector.

Entre as décadas de 1920 e 1930, após a primeira guerra mundial, o Recife era um porto seguro para os judeus que escapavam de uma Europa em convulsão. O bairro da Boa Vista era o endereço para a maioria das famílias que começavam uma nova vida, com seus filhos já nascendo em Pernambuco.

Foi assim com Leopoldo Nachbin, cujos pais eram o polonês Jacob Nachbin e a austríaca Léa Drechter Nachbin. Moradora da Praça Maciel Pinheiro, também um reduto judaico recifense, Clarice Lispector tornou-se próxima do garoto tímido que adorava jogar futebol de botão.

Já adultos, Leopoldo e Clarice fizeram carreira no Rio de Janeiro, com trabalhos de repercussão internacional, cada um em sua área. Voltaram a se encontrar uma vez, episódio que virou tema da crônica “As grandes punições”, publicada originalmente em 4 de novembro de 1967 no jornal do Brasil.

No texto, Clarice lembra que conheceu Leopoldo no primeiro dia de aula do Jardim da Infância do Grupo Escolar João Barbalho, na Rua Formosa, no Recife. “No dia seguinte já éramos os dois impossíveis da turma”. Tiravam boas notas, menos em comportamento.

Até que, no primeiro ano do primário, a diretora anunciou um teste de avaliação dos alunos. Clarice e Leopoldo fariam o exame em separado da turma. O que seria uma indicação de talento precoce – foram para a turma do quarto ano primário – foi interpretado por Clarice como uma punição. As lágrimas molhavam o papel e Leopoldo dizendo para ela se acalmar e responder o que soubesse.

No terceiro ano primário, Clarice foi admitida no Ginásio Pernambucano. Lá reencontrou Leopoldo Nachbin, que continuou a ser uma espécie de “protetor”. No terceiro ano do ginásio, a futura escritora mudou-se com a família para o Rio.

Leopoldo Nachbin permaneceu no Ginásio Pernambucano, destacando-se pelas boas notas, sempre com média geral acima de 70, como os 73 obtidos no ano de 1932, segundo informou o Diario de Pernambuco de 3 de janeiro de 1933, trazendo a listagem dos aprovados do ano anterior na importante instituição pública de ensino. Foi a primeira vez que o nome do futuro matemático saía no jornal.

No dia 1 de dezembro de 1936, Leopoldo Nachbin voltou a ser notícia no Diario, como integrante do time que ganhou peleja de vôlei entre as turmas de terceiranistas e concluintes do Ginásio Pernambucano. Chegava a hora de mostrar o seu talento.

O jornalista Aníbal Fernandes, que foi diretor do Diario de Pernambuco, citou o nome de Leopoldo Nachbin em vários textos de sua coluna “Coisas da Cidade”. No dia 18 de maio de 1961, destacou a respeito do seu ex-aluno do ensino secundário no extinto colégio Osvaldo Cruz, onde ministrava aulas de língua e literatura francesa:

“Nachbin na Sorbonne representa para o Brasil uma elevada honra, que se reflete também sobre a cidade do Recife, onde ele realizou o seu estudo secundário num estabelecimento do estado, sempre assistido por sua boa mãe, que lhe fiscalizava os trabalhos escolares e o seu comportamento nas classes. No dia em que nem tudo estava em ordem, não jogava botão, seu esporte favorito”.

Quando visitava o Recife, já reconhecido por seu talento no campo das ciência exatas, Nachbin sempre ressaltava a importância de Aníbal Fernandes como a pessoa que lhe conseguiu a primeira bolsa de estudos.

Graduou-se em engenharia civil, em 1943, pela Escola Nacional de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 1948, foi estudar na Universidade de Chicago. Em 1949, aos 27 anos, conseguiu a disputada bolsa da Fundação Guggenheim.

Em 1961 foi nomeado por um ano, para exercer as funções de professor da Faculdade de Ciências, na Universidade de Paris, a fim de realizar um curso de extensão universitária na Sorbonne sobre Análise Funcional e suas aplicações. Em 1965, teve livro editado na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos.

Em 1973, a UFPE outorgou-lhe o título de doutor honoris causa pelas suas mais de 80 obras no campo da matemática. Em 1982, o Conselho Interamericano para a Educação, Ciências e Cultura, da Organização dos Estados Americanos (OEA), contemplou o recifense com o prêmio Bernard A. Houssay, pelos trabalhos nos campos da análise harmônica, da análise funcional e da topologia, bem como a sua contribuição para a formação de cientistas. Foi ainda membro fundador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa).

Clarice Lispector destacou o talento do seu amigo de infância na sua crônica: “Eu soube que no primeiro ano de engenharia resolveu um dos teoremas considerados insolúveis desde a mais alta Antiguidade. E que imediatamente foi chamado à Sorbonne para explicar o processo. É um dos maiores matemáticos que hoje existem no mundo”.

O menino que chegava sempre cedo às aulas, sempre correto em seu uniforme cáqui, conquistou o mundo. Mais do isso, conquistou uma amiga, que passou a chorar menos, como ela mesmo destacou.

A crônica “As grandes punições” pode ser lida na íntegra clicando aqui.