07.04

 

População protesta contra assassinato da fisioterapeuta Tássia Mirella Sena e vai às ruas pedir justiça.

Luce Pereira (texto)
Samuca (arte)

Muitas mães de jovens que moram sozinhas amanheceram aflitas, perguntando às filhas se têm certeza de estar de fato seguras nos lugares onde vivem. É que a incessante cobertura do caso da fisioterapeuta Tássia Mirella Sena de Araújo, 28 anos – que a polícia acredita haver sido violentada e morta pelo vizinho, Edvan Luiz da Silva, 32, na manhã de quarta-feira, em um flat de Boa Viagem – parecia lembrá-las do óbvio: a vítima poderia ser qualquer uma. Num país em que o feminicídio cresce assustadoramente, sem resposta ao menos razoável por parte do poder público, supõe-se que dúvidas assim só sirvam mesmo como indicativo do quanto os pais são ingênuos quando imaginam existir algum ambiente à prova de ameaças para mulheres, afinal, trata-se de uma terra marcada pela misoginia e pela falta de pulso das autoridades no combate à violência de gênero. Na melhor hipótese, elas são vítimas em potencial de um machismo que passou a vida disfarçado de galanteio, pois, na cabeça dos agressores, levar “cantada” ou “um tapinha”, não dói. Dói, sim, e ao menos nas redes sociais o estardalhaço pedindo providências é grande e capaz de causar arranhões na imagem de qualquer um.
Para além dos protestos nas redes, o caso Tássia Mirella arrastou para o Fórum Rodolfo Aureliano, na tarde de ontem, uma multidão pedindo justiça enquanto o vendedor de cosméticos chegava para a audiência de custódia onde seria decidida a forma como responderia à acusação – se detido ou em casa. Parentes, amigos e pessoas revoltadas com o crime queriam ver Silva privado da liberdade já a partir dali, reflexo de um desejo que acabou revelando o mais alto grau de intolerância, nas redes: não faltou quem escolhesse dar um basta veemente à violência se revelando a favor da instituição da pena capital no país. Justo este, um país onde os poderes se mostram minados por episódios os mais escabrosos e a balança da Justiça está longe de pender com equidade. É, no mínimo, perigoso defender medidas assim quando instituições que zelam pela segurança e a ordem pública são questionadas de cima a baixo, pela falta de seriedade. No entanto, nada parece mais legítimo do que a população dar mostras cada vez maiores de insatisfação ante a apatia do poder público em se manifestar de forma convincente face ao problema. Se as reações são inversamente proporcionais aos desafios, as leis e quem as executa fatalmente caem em descrédito.
Não faltam evidências nesse sentido, mas, também, sobra clareza sobre a decisão da sociedade de gritar contra toda forma de machismo, mesmo aquelas que não resultam em dano físico, mas em dano moral. O pepino mais recente vem sendo descascado pelo veterano ator José Mayer, 67, que assediou a figurinista da Rede Globo Su Tonani, 28, tratando-a, diante da recusa em aceitar o assédio, com palavras grosseiras. A moça trouxe o assunto a público e os estragos causados pela campanha envolvendo o episódio (Mexeu com uma, mexeu com todas) foram tamanhos que embora o galã tenha reconhecido a agressão, foi suspenso pela emissora, o mesmo acontecendo com o apresentador Otaviano Costa, neste caso, afastado do programa Vídeo Show por apenas um dia. Com o caldeirão de críticas contra Mayer fervendo, Costa achou de brincar no estúdio depois de assistir a uma cena de machismo exibida durante o Big Brother Brasil.
Os casos de misoginia se sucedem no país e quando repercutem de forma estrondosa nas redes sociais, os protestos, infelizmente, sempre encontram do outro lado da tela alguém disposto a classificá-los como “mimimi” ou muito barulho por nada. Estas pessoas, também, deveriam ser punidas de alguma forma, porque apoiam e acabam incentivando a violência de gênero, um crime que responde por estatísticas terríveis. Agindo assim elas não se diferenciam tanto dos agressores e deles, a parte decente do país deseja se ver livre.