Em uma disputa onde todos os gatos parecem pardos, aquele que se diferencia sai em vantagem
Vandeck Santiago (texto)
Samuca (arte)
Estamos nos encaminhando para um processo em que vamos eleger os chamados outsiders, os anticandidatos, os que dizem não ser políticos? Esta é uma das principais hipóteses levantadas nas análises políticas após a determinação do ministro Edson Fachin para que fossem abertos 76 inquéritos contra 98 políticos – entre eles alguns do alto escalão da administração de Michel Temer. As análises que vi deixaram de considerar alguns fatores, que exponho aqui:
1) O fator regional: nas eleições para prefeito, ano passado, tivemos duas tendências bem delineadas. No Sudeste, Sul e Centro-Oeste, prevaleceu a renovação: nove das dez capitais elegeram candidatos ‘novatos’ (não concorriam à reeleição nem eram apoiados por quem estava no poder na prefeitura). Houve inclusive um tripé de eleitos que chegaram ao poder executivo pela primeira vez – caso de João Dória (PSDB), em SP; Alexandre Kalil (PHS), em Belo Horizonte, e Marcelo Crivella (PRB), no Rio. Os dois primeiros sequer eram políticos, no sentido convencional do termo. O processo foi diferente no Norte-Nordeste, onde 14 dos 16 prefeitos das capitais conseguiram reeleger-se, incluindo o do Recife. As duas exceções não aconteceram nas maiores capitais, e sim em Aracaju (SE), que deu a vitória a Edvaldo Nogueira (PCdoB), e Porto Velho (RO), com Dr. Hildon (PSDB). É fértil o terreno em que podemos buscar tentativas de explicar o fenômeno, mas este não é o objetivo do presente artigo. O que queremos realçar é que, partindo-se de uma eleição recente, ocorrida há menos de seis meses e já sob o governo Temer, podemos inferir que neste período de crise aguda a dinâmica eleitoral no Norte-Nordeste é uma, e no Sudeste-Sul-Centro-Oeste, é outra.
2) O fator prefeito: até então o peso da Lava-Jato tinha se abatido basicamente sobre o partido que estivera no poder nos últimos 13 anos (o PT) e seus aliados. Agora, com as delações da Odebrecht e a lista de Fachin, as acusações e suspeitas foram disseminadas sobre todos os grandes partidos. Se estivéssemos no terreno da dramaturgia, e considerássemos apenas o presente (ou seja, sem esperar para ver se a acusação vira sinônimo de culpa no futuro), poderíamos dizer que não há mais mocinhos no saloon. Cada um tem o cabo do revólver cheio de cruzes. Nesse sentido, uma eventual onda de renovação poderia atingir a todos. O problema é: mas renovar como, com quem? Ao meu ver, aí tem um amplo espaço que pode ser ocupado por prefeitos de nova geração e que sejam bem sucedidos (e não estejam chamuscados pela Lava-Jato). Eles formam o primeiro batalhão capaz de substituir as lideranças tradicionais – mesmo que tenham sido indicados por estas lideranças e façam parte dos seus partidos. Mas a diferença geracional e o fato de não estarem no mesmo rótulo de “tradicionais”, pode dar-lhes uma auréola de “novo” nesse ambiente que parece tão degradado. Havendo uma renovação, alguns prefeitos podem jogar papel de destaque, se tiverem ousadia para tentar furar a fila interna dos partidos para as disputas majoritárias.
3) O fator esperança: o maior cabo eleitoral que existe é a esperança. O candidato que consegue encarnar esta imagem para o eleitor está sempre algumas léguas na frente dos seus contendores. Quando um novato sai vencedor a tendência é de explicarmos a vitória com base na novidade que ele representa – o que pode ser verdadeiro, mas não se pode esquecer que dentro da novidade que ele supostamente representava estava a percepção por parte do eleitorado que ele faria melhor que os adversários, que com ele a vida seria melhor. Ou seja: a esperança. O fator esperança não é exclusivo de novatos nem de tradicionais – pode, em determinadas circunstâncias, estar ao lado de uns ou de outros. Vai depender do perfil de cada um e da dinâmica de sua campanha.
Além desses três fatores, há que se considerar que os fatos políticos estão acontecendo de forma acelerada e que até 2018 muitas alterações de percurso ainda podem acontecer. A única certeza que podemos ter até lá é que numa disputa em que todos os gatos parecem pardos, aquele que se diferenciar positivamente sai em vantagem.