Diagnóstico precoce e acesso a óculos são ainda mais significativos quando falamos de pessoas pobres.
Marcionila Teixeira (texto)
Marlon Diego (foto)
Ícaro de Medeiros tem 6 anos e enxerga o mundo como se borrado ele estivesse. Está no primeiro ano do ensino fundamental de uma escola pública, em pleno processo de alfabetização. Pela primeira vez, foi a um oftalmologista. Acaba de descobrir a necessidade de usar óculos.
Tem astigmatismo nos dois olhos. A doença pode causar embaçamento da visão, dores de cabeça, fadiga, piscar de olhos e dor nos músculos ao redor dos olhos. Ícaro não gostou da novidade, mas já escolheu a cor de sua armação: vermelha. De acordo com a Sociedade Pernambucana de Oftalmologia e com o Ministério da Saúde, em torno de 15% dos estudantes precisam de atendimento oftalmológico e, desse percentual, 56% têm probabilidade de necessitar de óculos. A falta de diagnóstico compromete o aprendizado. É um dos motivos do desinteresse nos estudos, da repetência e da evasão escolar. Pode rotular uma criança para o resto da vida.
Ícaro mora com a avó e a mãe na periferia de Paulista, na Região Metropolitana do Recife. No dia da consulta, estava com outros colegas da escola. O município tem um programa cujo objetivo é realizar exames e entregar gratuitamente óculos de grau a estudantes da rede municipal. “O que mais chama a atenção é que muitos pais e responsáveis falam que não teriam dinheiro para comprar os óculos”, diz Juliana Silva, coordenadora do programa Olhar Paulista.
Uma triagem é feita nas escolas e as crianças com alguma dificuldade no teste de acuidade visual são encaminhadas ao Centro de Visão de Pernambuco (Cevipe), onde passam por exames e, se preciso, recebem óculos adquiridos pela prefeitura junto ao Lafepe. De 2015 até agora, 500 alunos passaram no Cevipe e 288 precisaram de óculos de grau.
Isabelly Victória de Freitas, 9, está no 4° ano e, desde o ano passado, sente a visão embaçada, ardendo e lacrimejando. “Sei ler, mas não estou conseguindo ler direito por conta da vista”, lamenta a menina. Assim como Ícaro, vai precisar usar óculos.
Ao todo, 17 municípios têm, atualmente, convênios com o Lafepe, todos do interior, com exceção de Paulista. No final do mês que vem, os bairros do entorno do Compaz Governador Eduardo Campos, no Alto Santa Terezinha, no Recife, também vão receber uma ação, chamada Visão do Futuro. O lugar foi escolhido porque tem 43 escolas municipais com 11.993 alunos, além de 79 escolas estaduais com 60.734 alunos, e não tem serviço de oftalmo próprio. Estima-se que pelo menos 290 alunos de cinco escolas municipais e duas estaduais receberão óculos do Lafepe.
A Fundação Altino Ventura capacita profissionais para o atendimento, enquanto a Fundação Itaú vai financiar os custos com a produção dos óculos e com a capacitação da mão-de-obra.
Um outro programa, chamado Boa Visão, foi transformado pelo governo estadual em lei em dezembro de 2011 e colocado em prática no ano seguinte. As ações começaram na Região Metropolitana e seguiram para o interior. A próxima acontece em formato de mutirão, nos dias 12 e 13 de junho, junto a cinco mil alunos, em Garanhuns. “Os alunos com dificuldade de visão são tachados de hiperativos, desatentos, repetem o ano, faltam às aulas. A ação promove qualidade de vida para o aluno. Alguns já nasceram assim e acham que o embaçado é normal. Faz parte. Quando promovemos a assistência e resolvemos, vemos que começam a ter autoestima, interesse nas aulas. Tudo muda. Há promoção de saúde e inserção social”, reflete Maíra Ramos, gerente do Boa Visão. A ação de Garanhuns será feita em conjunto com a ONG OneSight, Lafepe e Fundação Altino Ventura.
Como repórter, já passei pela experiência de entrevistar uma menina que, longe da escola porque não conseguia enxergar o quadro, passou a ser explorada sexualmente por homens mais velhos no bairro onde morava, em Brasília Teimosa. Depois do afastamento, o caminho de volta à escola é sempre mais tortuoso. E pode nem acontecer. O diagnóstico precoce e o acesso a um par de óculos são importantes para qualquer criança e adolescente com dificuldade visual. Mas são ainda mais significativos quando falamos de pessoas em situação de pobreza.