Preocupada com as mudanças nas leis trabalhistas, doméstica dá aula sobre criticidade.
Silvia Bessa (texto)
Peu Ricardo (foto)
Discernimento sobre a atual situação política do Brasil e as consequências das reformas previdenciária e trabalhista quem tem é a funcionária doméstica Dalva, que trabalha na residência da juíza federal do Tribunal Regional do Trabalho 6ª Região Roberta Araújo. Pode-se dizer até que ela é o exemplo mais vigoroso de que o debate sobre as reformas está na boca do povo. Na última segunda-feira, quando a magistrada chegou em casa, Dalva lançou a pergunta: “Doutora, eu posso não vir trabalhar na sexta-feira para participar da greve?”, questionou se referindo à mobilização da próxima sexta-feira que tem atraído inúmeras categorias. Dalva não se contentou com o consentimento e aproveitou para emendar com uma réplica: “A senhora também vai fazer greve?”.
Dalva tem 46 anos. Por costume, não é das mais interessadas em política. Prefere assistir a novelas ou ouvir programas de rádio a acompanhar noticiários com debates feitos por engravatados. Mas a doméstica já entendeu o quão os brasileiros serão afetados pelas mudanças nas leis e anda muito preocupada com o impacto das reformas. Até porque ela fez planos de se aposentar e pensou que logo descansaria da lida. Dalva terá de adiar os planos, caso o projeto seja aprovado e o adiamento a ajudou nesta lógica impressionante. O argumento de quem observa de longe, mas é atenta às recentes discussões sobre perdas ou prorrogações de direitos de trabalhadores no Brasil a fez pensar assim. Diante da dúvida da juíza sobre os trabalhos suspensos ou não do tribunal, Dalva retrucou: “Pois a senhora devia explicar a eles (ela se referia a eles, os companheiros de trabalho da juíza no Tribunal) que devia parar também porque velhice chega pra rico e pra pobre e com esse governo ruim não vai se aposentar é ninguém. Com dinheiro ou sem dinheiro vai trabalhar até se estropiar. Por isso é greve geral. Geral quer dizer que é porque esse governo é ruim pra todo mundo. A senhora entendeu?”.
A juíza Roberta Araújo prometeu a ela que iria passar a explicação para os colegas de trabalho. “É um alerta para todos nós. Na sua simplicidade, alcança uma compreensão que muitos tão instruídos não conseguem”, comentou a magistrada ontem à reportagem do Diario ao comentar o diálogo com Dalva. Vale lembrar que a proposta de reforma trabalhista que tanto preocupa Dalva e que virou mote de conversa entre trabalhadores de todas as categorias, classes sociais e de instrução teve parecer do relator, deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), aprovado nessa terça-feira, na comissão especial da Câmara dos Deputados com placar de 27 votos favoráveis a 10 contrários e nenhuma abstenção.
Amanhã a empregada doméstica Dalva deve ter a companhia de centenas de manifestantes. O protesto acontecerá em todo o Brasil. Em Pernambuco, está marcado para começar às 14h na Praça do Derby. O ato deve contar com a participação de dezenas de categorias que já anunciaram participação. Algumas escolas já informaram que devem fechar para que seus trabalhadores participem, se assim quiserem.
Um reforço importante e muito simbólico tem sido dado pela Igreja Católica. O arcebispo de Olinda e Recife, dom Fernando Saburido, fez uma convocação à população e fiéis usando seu perfil no Facebook. O convite, divulgado em vídeo que teve 2 minutos e 20 segundos, dirigiu-se a “homens e mulheres de boa vontade”, frisando que “a classe trabalhadora não pode permitir que direitos arduamente conquistados, com intensa participação democrática, sejam retirados. Qualquer ameaça a esses direitos merece imediato repúdio”. Na Missa de Páscoa, ele já havia se pronunciado dizendo que o país enfrenta questões políticas, éticas e sociais difíceis e que “os brasileiros devem estar prontos para lutar até cessar”.
Dalva fará parte de uma greve que tem tudo para ser histórica.