A crise impactou a venda de tamboretes e, no anonimato, ela luta pela sobrevivência.
Silvia Bessa (texto)
Teresa Maia/DP (foto)
Celebridade da Favela do Papelão, no bairro do Coque, Centro do Recife, a vendedora ambulante Ângela Maria da Silva é um fenômeno de alegria. Quem já comprou banquinhos recicláveis após ouvir o vozeirão dela sabe do que se fala. Aos 50 anos, mantém a disposição de uma nordestina que corre em busca da pão nosso de cada dia de forma honesta, empurrando um carrinho de mão sob o sol forte. Quinha sempre foi pobre. É constatação que se faz não só pelo beco onde mora mas pelas dificuldades que enfrenta para ajudar a manter a família. Nos últimos meses, a condição de vida desta mulher está muito piorada. Até ela, com seu modesto negócio, foi atingida pela crise econômica enfrentada pelo Brasil. Antes contava com as sobras de madeiras encontradas nas calçadas ou doadas por serrarias de gente conhecida. Agora, nem isso.
“Outro dia um serralheiro me disse: ‘minha filha, a gente tem vendido até pó de serra. Acabou-se o desperdício’”, contou-me ontem. Resultado: houve um impacto na cadeia produtiva, na confecção dos tais tamboretes que ela monta martelada por martelada no fundo da sua casa e na venda enquanto canta lindamente pelos bairros do entorno do Centro. Quinha estima trinta bancos encomendados à espera de entrega. Cada um é vendido a R$ 7,00. “Não sei quando posso cumprir meu compromisso, mas é assim mesmo. Terão de esperar um pouco mais”, justifica, lamentando. As encomendas só serão entregues quando ela achar os recicláveis que garantem o sustento da família. “Tem sido muito difícil. Consigo hoje em dia cerca de R$ 300 por mês. É o dinheiro maior que entra em casa. Sem o material para eu fazer os pés dos tamboretes é impossível eu manter o que mais gosto de fazer na vida”, diz ela, no aguardo de doações de tinta, pregos e caibros usados – peças de madeira daquelas que estruturam telhados.
Foi a partir do bairro da Boa Vista, não sei se é de se lembrar, que Quinha ganhou o estrelato e foi parar na imprensa (no Diario de Pernambuco, eu mesma escrevi matéria sobre ela em junho de 2011) e nos programas de entretenimentos nacionais. Tudo começou quando um grupo de estudantes secundaristas gravou um vídeo caseiro da janela de um apartamento enquanto Quinha, toda desinibida, cantava para vender seus tamboretes. O vídeo com o título “mulher do tamburete” (com “u” mesmo) foi sucesso no YouTube. Apareceu sem ligar para a risadagem juvenil e continuou sendo quem é. Respondia cada pedido dos meninos para outra música e foi mostrando seu repertório de canções inventadas por ela mesma. “O tamborete só paga cinco, óia. E ainda serve para sentar, para conversar, para namorar, falar de bem, falar de mal, óia…”, canta na gravação.
A fama que a mãe sonhou para ela enquanto cantora chegou como vendedora. Ângela Maria é figura conhecida da cidade, daquelas que dão orgulho por se manter firme, apesar das adversidades. Há alguns meses, Quinha vem publicando em sua página no Facebook que tem chorado porque terá de abandonar o que mais ama na vida. Anunciou que daqui a alguns meses deixará de vender tamboretes porque não tem encontrado materiais, além de sentir muitas dores nas pernas. Ontem, questionada sobre a sua saúde, ela disse que o motivo real e principal continua sendo a falta de madeira reciclável. “Sonho que tudo vai melhorar”, disse-me. Ângela Maria, a nossa Ângela Maria da periferia, saiu do anonimato e ainda quer ser o personagem do Centro do Recife, aquela que canta e encanta. Neste momento, no entanto, precisa de ajuda para continuar em frente com seu carrinho de mão e colocar alimento na mesa de sua família. Quem quiser colaborar para que Quinha do Tamborete não saia de cena deve ligar para o 81 9 8443-6349 ou para o 81 9 8505-8016.