Ao não aceitar benefícios, Jayme Asfora mostra que não basta ser contra — é preciso recusá-los.
Vandeck Santiago (texto)
Bernardo Dantas (foto)
O vereador do Recife Jayme Asfora (PMDB) é contra três benefícios que todos os 39 vereadores da capital pernambucana têm direito: o auxílio-alimentação, no valor de R$ 3 mil mensais (o que dá R$ 208 por dia, considerando a média do mês de 22 dias úteis); o auxílio-paletó, que é pago no início e no fim do mandato, equivalendo a um 14º e 15º salário; e o auxílio-combustível. Se ele fosse apenas contra, se defendesse a extinção dessas medidas, sua atitude ficaria no terreno da retórica e da posição teórica. Já seria algo digno de destaque, claro — mas seria apenas retórica e teoria. Jayme Asfora foi além: desde o início do seu primeiro mandato, em 2013, decidiu não receber nenhum desses benefícios — que, aliás, ele chama por outro nome: “São penduricalhos”. Ou: “Uma maneira indireta de remuneração”. Não deveriam existir. Não são essenciais ao exercício do mandato.
Asfora é um dos brasileiros que “foram tocados” pelas Jornadas de Junho de 2013, quando milhões de pessoas foram às ruas protestar contra uma série de coisas: “Desde aquele momento a população está dando sinais de sua insatisfação contra determinadas práticas dos políticos, cobrando mais austeridade deles, cobrando transparência”. No momento em que se cobra austeridade de todo mundo, como a política continua navegando na ostentação e mantendo e acumulando aquilo que ao olhar da população é percebido como privilégio? “É possível exercer o mandato com austeridade, sem penduricalhos”, afirma ele.
Há outra fonte legal que, se aberta, poderia resultar em mais dinheiro para o vereador, e que ele preferiu fechar: a da acumulação de salários. Ele é procurador do Estado, e como servidor público poderia acumular os vencimentos dessa função com os de vereador. Asfora optou por receber apenas como procurador.
Antes de vereador, ele foi presidente da OAB em Pernambuco (2007-2009). Encampou lutas cobrando transparência dos atos públicos e defendendo medidas contra a corrupção. Com estas bandeiras, candidatou-se a vereador em 2012, e ficou na primeira suplência. Assumiu em 2013, tornou a concorrer em 2016 e desta vez foi eleito diretamente. Ele diz que sua postura agora, no cumprimeiro, é apenas a manutenção de “uma linha de coerência” com o seu eleitorado. “Eu me elegi defendendo essas posições. Eleito, tenho de corresponder à expectativa dos que votaram em mim”, afirma.
A remuneração mensal do vereador no Recife é de R$ 14,6 mil. No dia 27 de abril, em votação extra-pauta (sem aparecer na ordem do dia, que elenca as medidas a serem votadas na sessão), a Casa decidiu aumentar o auxílio-alimentação de R$ 3.095,86 (o valor exato) mensais para R$ 4.595, uma elevação de 53,1%. O benefício foi instituído em 2006, como mostra matéria do Diario de 19 de junho daquele ano, de autoria do repórter Sávio Gabriel (“Vereadores do Recife têm direito a R$ 3 mil para gastos com alimentação”). Em nota à imprensa, segundo a matéria, a assessoria de imprensa da Câmara explicou que “a medida estabelece que o benefício seja destinado a subsidiar despesas com refeição e alimentação dos servidores e parlamentares deste Poder Legislativo, quando no exercício de suas funções”. Mas foi o aumento, mês passado, que provocou maior repercussão, local e nacional, gerando indignação popular. O vereador André Régis (PSDB) pediu sua revogação, assim como a liderança da bancada de oposição (Marília Arraes, PT; Ivan Moraes, PSol; Rinaldo Júnior, PRB). Acabou sendo revogado no último dia 5. “Foi um erro e nós reconhecemos. A imprensa e a sociedade deram o seu recado e a Casa tem que andar em consonância com o povo”, disse o primeiro-secretário da Câmara, Marco Aurélio (PRTB). O aumento foi revogado, mas o benefício em si continua. Indagado se com os salários os vereadores não poderiam custear a despesa com a alimentação, Marco Aurélio afirmou: “Todos esses privilégios que nós temos, o Senado, a Câmara Federal, as assembleias legislativas e as demais câmaras municipais do país têm”.
Ele está falando a verdade: esses privilégios, esses benefícios, esses “penduricalhos” não são exclusivos da Câmara de Vereadores do Recife. Trata-se de uma prática presente em outras instituições, não só políticas. Daí a importância – ainda que pareçam isolados – de gestos como o do vereador Jayme Asfora. Lança luzes sobre distorções que merecem ser extintas. E dá o exemplo de que não basta ser contra, tem que recusar.