11.05

 

Esta é a história de uma mulher que decidiu manter uma gravidez difícil e que superou seus medos.

Silvia Bessa (texto)
Cláudio Cerri (foto)

Patrícia estava com 17 semanas de gestação. Comemorava o sonho que cultivava desde menina porque a única certeza que Patrícia Pontual tinha na vida era esta: a de querer ser mãe um dia. Com o marido, Rodrigo Lucena, chegou ao consultório para uma ultrassom de rotina. Menino ou menina? Os amigos faziam piadas em mensagens de celular. Entrou na sala do consultório de doutor. Abílio Valença. Rodrigo ao lado. Ainda deitada, o exame começou a se demorar. “Está vendo os olhinhos?”, perguntou o médico. Por frações de minutos, Patrícia se projetou em casa, debruçada sobre o computador e descobrindo como cuidar de um bebê com síndrome de Down. “Você está vendo que em cima deles não tem nada”, completou. “Eu não consegui entender, ainda que o nome seja claro”, contou-me ontem Patrícia. “Seu bebê tem anencefalia”, diagnosticou.
Rodrigo, o marido com o qual planejou o primeiro filho e com quem era casada há três anos, passou mal. Patrícia enfrentou o medo e perguntou o que significava aquela palavra sobre a qual nunca tinha ouvido falar: “Isso quer dizer o que?”. Entre outras informações técnicas, doutor Abílio explicou que o bebê não conseguiu formar a calota craniana. Que a pouca massa encefálica estava exposta ao líquido. A ideia momentânea de que teria uma criança especial nas mãos para cuidar desmoronou. A previsão era de que o bebê viveria por horas, caso nascesse. “A gente estava no céu e aí caímos num abismo sem fim. Não acreditava que precisaria tirar meu menino”. De quando ficou numa sala reservada para não ter de enfrentar todas aquelas famílias festivas que a sucederiam na consulta até chegar na própria casa, só pensava na pressão em torno de uma decisão apressada sobre entrar com recurso na justiça para interromper a gravidez. Há possibilidade legal em casos de anencéfalo.
Em disparada, Patrícia começou a busca no Google. “A internet é fria nesse caso”, pontuou Rodrigo. Entre familiares e amigos que foram lhes dar carinho naquele 27 de novembro de 2013, a amiga Renata abriu o leque: “Ticinha, você já é mãe. O que seu coração diz?”.
Dali, poucas horas após o diagnóstico, Patrícia foi ao banho. Entre choros, saiu com a decisão: “Não quero que mexam no meu menininho”. A Rodrigo, disse: “Todo mundo tem problemas. O nosso menininho tem o dele, mas vai viver o tempo que Deus permitir”. Rodrigo aceitou, até porque tinha o mesmo desejo. “Um pouco do peso que tinha em mim saiu. A dor foi amenizada e amigos e familiares começaram a entender, apoiar”. A partir de então, Davi Lucas, o filho de Patrícia e Rodrigo, seria comemorado a cada semana de vida. Ficou decidido que ele merecia ser protegido e amado. No início Patrícia chorava todos os dias; no meio da gestação, chorava dia sim, dia não. Seguiu em frente, fez ensaios fotográficos com o barrigão e viveu momentos inesquecíveis com aquele que lhe fez mãe – como destaca.
“A história de Davi não é de dor. É de amor”. Ele chorou baixinho quando nasceu e ela diz que vai festejar por toda a sua vida a oportunidade de ter colocado ele nos seus braços. Davi viveu seis dias. “Fui feliz com ele. A felicidade é a gente quem faz. Dizem que a gente não pode criar laços com crianças com anencefalia. Penso justamente o contrário: tem de criar laços. É para isso que ele está aqui”.
Seis meses depois da partida de Davi, liberada pela médica ginecologista e obstetra Isabel Norato, engravidou do seu segundo filho, Daniel – hoje com um ano e nove meses. Um grupo de amigas grávidas foi essencial para reduzir medos, conta Patrícia. “Exausta nas madrugadas, olho para Daniel e agradeço por estar com ele”. Há quatro meses, uma nova notícia alegra a casa: Maria Luiza está a caminho. “Davi sempre será o primeiro filho. Daniel e Maria Luiza saberão disso”, dizem. Como é Patrícia como mãe?, pergunto ao marido. Ela se apressa em responder: “Ele vai dizer que sou frouxa”. Ele a enche de elogios e conta que a postura firme dela só aumentou a admiração que já tinha.
A história de Patrícia contesta ela mesma: a única característica que não cabe nesta mãe é a da frouxidão. Patrícia Pontual é mãe coragem. De três filhos.