12.05

 

O encontro com um antigo professor e as angústias de quem não sabe mais em quem ou em quê acreditar.

Luce Pereira (texto)
Greg (arte)

É, a vida não anda fácil para quem quer levá-la a sério. E, não tenha dúvida, o lado risível das redes sociais fica com razoável parcela da culpa por deixar milhões de cabeças boas cada vez menos interessadas no mundo real – esse que atualmente absorve sem contestação as “abobrinhas” acessadas através de telas de computadores e smartphones. Agora mesmo, encontrei assim um antigo professor a quem sempre admirei por demonstrar tremendo gosto pelo debate. Fomos tomar um café, porque a alegria do encontro casual e os anos transcorridos desde o último justificavam. Pareceu-me abatido, não pela idade, mas pelos fatos e demonstrava isso na medida em que a conversa ia avançando entre episódios que vivemos nos tempos de sala de aula e dúvidas acerca do futuro, considerado por ele um tempo com perspectivas as mais desanimadoras. Sempre foi considerado um sujeito de muita visão e bom senso, o que tornava maior as chances de as reflexões fazerem sentido. Quero dizer aqui que os sessenta e tantos anos não o impediram de ser uma pessoa absolutamente à vontade com as novas tecnologias, mas aí estava exatamente a razão do desgosto: o que fizemos de ferramentas que poderiam ser fontes importantes de crescimento pessoal e profissional. Ele não se conformava.
“Você leu aquela história do garoto dos nuggets?”, perguntou-me, entre aflito e indignado. “O mundo entregue a doidos varridos, guerras, fome, corrupção, destruição dos recursos naturais, dos índios, e a gente se depara só com tolices daquele tamanho, nas redes sociais, tenha santa paciência!, onde vamos parar?”. Estava suando, apesar do ar condicionado. Li, naturalmente, pois, sobretudo por dever de ofício, leio o que posso e mesmo o que não gosto. Era uma notícia de três dias atrás, no meio de tantas outras envolvendo os maiores desastres humanos da atualidade: no começo de abril, um adolescente norte-americano chamado Carter Wilkerson publicou uma mensagem no Twitter direcionada a uma empresa de fast food perguntando quantos tuítes seriam necessários para ganhar um ano grátis de nuggets de frango e teve como resposta um número astronômico – dezoito milhões. O garoto, então, aceitou o desafio postando o diálogo virtual e o apelo: “Por favor, me ajudem, um homem precisa de seus nugetts” . Pronto, foi o suficiente para ganhar projeção repentina, pois, no mesmo dia, o texto teve 3,5 milhões de retuítes, superando parcialmente um record que pertencia à apresentadora de TV e atriz Ellen DeGeneres quando postou uma selfie com muitas das maiores estrelas de Hollywood, depois da cerimônia de entrega do Oscar, em 2014. A propósito, nem eu nem o professor conseguimos entender, à época, o que de tão extraordinário havia no fato de um reluzente grupo de artistas aceitar sair em foto feita por uma querida colega de profissão.
Bem, voltemos ao garoto dos nuggets, que ainda não conseguiu seu objetivo, mas, ajudado pela competição com a marca alcançada por DeGeneres, agora já tem até oferta de gigantes como a United Airlines para, caso vença o desafio, ser transportado de graça em suas aeronaves durante um ano, a qualquer restaurante daquela rede de fast food no mundo. Ou seja, nos dias de hoje a alma do negócio é o besteirol e, sendo assim, pior para quem pensa e se preocupa com o futuro. Não posso dizer que foi o café mais animado de nossas vidas, porque, afinal, entre memórias e poucos risos, partilhamos medos. Mas concordamos que o mundo – porque gira junto com a Terra – tem a ordem das coisas alteradas, de tempos em tempos, passando da escuridão à luz e vice-versa. Muitas vezes há que sofrer uma espécie de depuração para progredir espiritualmente.Tudo muito filosófico, sim, mas – disse ele – ultimamente optamos apenas pelo que dói menos, e o que parece mais reconfortante continua sendo, ainda, a tal esperança. Nos prometemos novo encontro para breve, se possível, com as impressões sobre um livro que ele me sugeriu ler. E com a garantia de que boicotaremos qualquer espécie de nuggets.