15.05

 

Na literatura policial, dizem que a solução do mistério deve estar evidente desde o início

Urariano Mota (texto)
Greg (arte)

No depoimento do ex-presidente Lula ao juiz Sérgio Moro, o destaque do interrogatório foi o famoso tríplex do Guarujá. Esse maravilhoso e paradisíaco superapartamento, luxuoso e digno de um dos maiores líderes políticos do planeta, encheu mais os nossos olhos e ouvidos que o profundo riacho do Ipiranga cantado no Hino Nacional.
A esta altura, acredito que o tríplex se tornou mais que um caso judicial e político. Pelas perguntas que iam e voltavam, pela riqueza de abordagens, pelos diferentes ângulos levantados por Moro, pelo vulto do vilão, personagens e crime, o apartamento se fez também o caso do tríplex 174 da literatura policial. Não custa nada lembrar as principais características do gênero.
Desde Edgar Allan Poe, com Os Assassinatos da Rua Morgue, a literatura policial se caracteriza pelos elementos básicos de crime, investigação e descoberta do criminoso. Mas, sabemos: do começo ao fim o desenlace deve ter uma razão lógica e possível. O narrador, ou a voz que conduz, não pode cometer erros técnicos ao falar do método do crime e da investigação. Os personagens e o ambiente devem ser reais. Percebem? O que haveria de mais concreto que o fabuloso tríplex na praia de Guarujá no tempo da delicadeza da propina?
Acompanhem com infinita paciência, porque assim foi no interrogatório de Lula:

Moro – Senhor ex-presidente, pode esclarecer se havia a intenção desde o início de adquirir um tríplex no prédio invés de uma unidade simples?
Lula: Não havia no início e não havia no fim. Eu quero falar, porque tenho direito de falar que não requisitei, não recebi e nem paguei um apartamento que dizem que é meu.

Moro: Nunca houve a intenção de adquirir esse tríplex?
Lula: Nunca houve a intenção de adquirir o tríplex.

Moro: Aqui, tem uma proposta de adesão, sujeita à aprovação, relativamente ao mesmo imóvel. Isso foi assinado pela senhora Marisa Leticia, vou mostrar aqui para o senhor.
Lula: De quando que é essa data aqui?

Moro: 01/04/2005. Consta nesse documento, não sei se o senhor chegou a verificar, uma rasura. O número 174 correspondente ao tríplex nesse mesmo edifício foi rasurado e, em cima dele, foi colocado o número 141. Este documento em que a perícia da PF constatou ter sido feita uma rasura, o senhor sabe quem o rasurou?
Lula: A Polícia Federal não descobriu quem foi? Não?! Então, quando descobrir, o senhor me fala, eu também quero saber.

Moro: Aqui, consta um termo de adesão de duplex de três dormitórios nesse edifício em Guarujá, unidade 174 A, que depois, com a transferência do empreendimento a OAS, acabou se transformando tríplex 164 A. Eu posso lhe mostrar o documento?
Lula: Tá assinado por quem?

Moro: Hmm… A assinatura tá em branco…
Lula: Então, o senhor pode guardar por gentileza!

Moro: O senhor teria alguma explicação pra esse documento ter sido apreendido no seu apartamento?
Lula: Não sei, talvez quem acusa saiba como é que foi parar lá. Eu não sei como tem um documento lá em casa sem adesão de 2004 quando a minha mulher comprou apartamento em 2005….
E mais respondeu o ex-presidente:
“Doutor Moro, o senhor já deve ter ido com sua esposa numa loja de sapatos e ela fez o vendedor baixar 30 ou 40 caixas de sapatos, experimentou vários e no final, vocês foram embora e não compraram nenhum. Sua esposa é dona de algum sapato, só porque olhou e provou os sapatos? Cadê uma única prova de que eu sou dono de algum tríplex? Apresente provas, doutor Moro”.
Mas Sérgio Moro voltava com outras palavras, mas com o mesmo conteúdo: “Lula, se não é você, quem pode ser o dono do tríplex?”. Longa, tediosa e incansavelmente as perguntas voltavam.
Na literatura policial, dizem que a solução do mistério deve estar evidente desde o início, para mostrar ao leitor o quanto ele foi desatento. Depois de 5 horas de interrogatório, pela insistência, pelas voltas e mais voltas a um só tema e teima, descobri afinal a solução do crime: Moro é o verdadeiro dono do tríplex. Moro é o senhor absoluto do imóvel. Como é que não vimos antes a solução dessa novela policial? Tão simples e não percebemos. Quem disso tanto usa é o seu legítimo proprietário.