País é sacudido por delação de dono da JBS, que cai como bomba sobre mandatos de Temer e Aécio Neves.
Luce Pereira (texto)
Editoria de arte (jornal)
O Brasil é um país estranho, onde se ri e se chora ao mesmo tempo, como se não fossem todos afetados por igual tragédia, embora em proporções diferentes. Ontem, dia em que o lamaçal que encobre a política avançou sobre o Palácio do Planalto obrigando Michel Temer a negar, em pronunciamento, uma cogitada renúncia, postagens nas redes sociais oscilavam entre piadas e lamentos pela falta de rumo do país, mais à deriva a cada novo escândalo. Na linha do humor amargo, mensagem muito compartilhada sugeria “um minuto de silêncio por todos os professores de História, que terão que explicar este ´cabaré´ no futuro”, enquanto outras pediam desculpas às prostitutas por comparar a atual situação política ao trabalho desempenhado por elas. Em resumo, nervos à flor da pele, com grosserias sobrando para todos os lados, e um clima que novamente aponta para as ruas, sobretudo depois que, mesmo passando a ser alvo de investigação pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente descartou a hipótese de renunciar ao mandato. Durante todo o dia, diante das revelações feitas pelo proprietário da JBS, Joesley Batista, como parte do expediente da delação premiada, o que mais se leu, se viu e se ouviu foi o pedido de “eleições diretas já”, expressão na qual reside a única esperança da população em ver o trem nos trilhos, levando o Brasil para um futuro melhor.
Longo caminho, este, que o mercado financeiro tentou traduzir com grande queda nas bolsas, dólar nas alturas e investidores procurando a saída mais próxima, porque o dinheiro foge muito rapidamente de onde não existe credibilidade política e institucional. Na opinião de economistas, a bomba acionada pela delação da JBS – que também deixou em maus lençóis, pelo mesmo motivo, o senador Aécio Neves (PSDB) e membros da família dele, incluindo a irmã e assessora, Andrea, presa pela PF – destruiu as chances de recuperação da economia brasileira, ao menos enquanto o país não conseguir se reinventar politicamente. A Bovespa entrou em colapso: começou o pregão em queda de 10% e teve que acionar o circuit breaker, que interrompe o pregão por meia hora para normalização dos indicadores. No exterior, ativos e ações de empresas brasileiras sofreram queda violenta. Afora isso, a enorme repercussão internacional em torno das denúncias contra Temer por envolvimento no pagamento de propina para calar o incendiário ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Se muitos países já olhavam com desconfiança para o processo que transformou Temer em inquilino do Palácio do Planalto, desconfiando da legitimidade do mandato, agora podem reproduzir, sem constrangimento algum, a famosa tese de que o Brasil não é um país sério, atribuída (sem a devida comprovação) ao presidente francês Charles de Gaulle.
Com um ministro a menos desde que a bomba explodiu (Bruno Rodrigues renunciou à pasta das Cidades, ontem), estima-se que as baixas no governo devam seguir fazendo estragos nos planos de Temer de concluir as reformas trabalhista e da Previdência. Pode faltar sustentação política que garanta não só a aprovação delas como a continuação do governo. De acordo com observadores, a pressão das ruas deverá ser decisiva neste processo, ainda mais porque as delações seguem seu curso com possibilidade de novas e graves denúncias, o que fatalmente elevará o nível de cobrança da população por eleições diretas imediatas. Mas, sejam quais forem os desdobramentos do quadro atual, o fato é que os brasileiros já não suportam a ideia de continuar a conviver com níveis tão alarmantes de corrupção e desfaçatez, que resistem mesmo diante das medidas autorizadas pela Operação Lava-Jato. É como se persistisse, entre os criminosos, a ideia de que somos um país entregue à impunidade, com instituições vencidas e sem perspectiva de reação. Mas a História mostra que também pode cobrar um preço alto a quem subestima a paciência do povo.