22.05

Única mulher a assumir o cargo de mestra, ela oferta alternativa à cultura de violência na favela.

Marcionila Teixeira (texto)
Peu Ricardo (foto)

O destino de Joana foi traçado em um jogo de búzios. Aconteceu há nove anos. Não tinha como ser diferente para aquela mulher nascida no candomblé. Se naquele dia os orixás disseram sim, era preciso seguir a orientação. Assim, Joana Cavalcante, hoje com 38 anos, tornou-se uma grandiosa mulher. É a primeira e única mestra em uma nação de maracatu. Um desafio do tamanho do comprometimento dela com a luta feminista e com a garantia de direitos humanos. A história da mestra da Nação do Maracatu Encanto do Pina, surgido em 1980 e com sede na Favela do Bode, na Zona Sul do Recife, tem algo de heroico. Joana define seu trabalho com o maracatu como uma alternativa à cultura de violência dentro da favela. Uma saída, acredita ela, é divulgar para o mundo a alegria e o saber ancestral do povo negro.“Temos exemplos de crianças daqui que hoje viajam o mundo para dar oficinas de percussão. A gente mostra que sociedade não é só violência, que eles podem seguir outros rumos. Não é porque mora em favela cheia de violência que o jovem tem que ser violento, tem que ser bandido. Empoderamos, damos outros rumos, mostramos outras vivências”.
As atividades ganharam tanto destaque que atraíram meninos e meninas das comunidades do entorno, como Ilha de Deus e Ilha Joana Bezerra. “A gente trabalha diretamente com os jovens. Se ele não estiver bem na escola ou se reprovar, não desfila no maracatu no carnaval, que é nosso grande momento”, avisa. Nos dias de sábado, ela toca o projeto Encantinho, com oferta gratuita de aulas de percussão, rodas de conversa e exibição de filmes. Aos domingos, ela põe em prática o projeto Maracatu Baque Mulher, direcionado a ensinar a arte do batuque a mulheres.
A ideia do Baque Mulher, surgida em 2008, deu tão certo que foi multiplicada e hoje há 21 grupos em atuação no país. Em nove anos, foram ouvidas histórias de mulheres vítimas de abusos e tomadas pela depressão. “Ao longo do tempo, surgiram várias demandas e fomos nos fortalecendo cada vez mais com rodas de diálogos e conversas, sentindo a importância de cada narração”, conta Joana. Os projetos são gratuitos e ofertam os instrumentos. Aceitam apenas ajuda de custo, de qualquer valor, dos participantes, que podem vir de qualquer bairro. Os projetos acontecem no terreiro Ylé Axé Oxum Deym, o que infelizmente termina levando mães seguidoras de religiões pentecostais a proibirem seus filhos de participarem das oficinas.
Debater o papel da mulher na sociedade a partir da vivência da mestra Joana no Maracatu Encanto do Pina é obrigatório. Em 300 anos de história, o maracatu sempre foi marcado pelo machismo. Às mulheres cabiam apenas os papéis na cozinha e na costura. Também lhes era permitido dançar. “Antigamente a gente não podia nem tocar. As mulheres somente vieram tocar de 1999 para cá. Para se ter uma ideia, eu sou a única mestra entre 40 nações de maracatu”, reflete. Joana somente assumiu o posto de mestra após a passagem do pai dela pelo mesmo cargo. “Na época, ele não deu conta e as mães do Pina e yalorixás jogaram os búzios para saber se eu podia assumir o maracatu”, lembra. A questão, recorda a mestra, é que ninguém lembra que as yalorixás é quem sempre estiveram nos bastidores dos maracatus, invisibilizadas. “O maracatu existe e resiste por causa delas”.
Em um estado onde o machismo é latente, Joana diz que não é fácil ser mulher do axé, mestra de maracatu, negra e moradora da favela. Mas ela vai seguindo. Ainda deseja formar-se em pedagogia ou dança. Por enquanto, ocupa o importante cargo no maracatu do Bode. E isso representa uma grande responsabilidade. “Ser mestra de nação é pensar, ser e viver para minha comunidade”.