Possibilidade de disputar eleições sem estar filiado a partidos favorece democracia.
Vandeck Santiago (texto)
Ricardo Fernandes (foto)
Se você quer disputar eleições para vereador, prefeito, deputado, senador, governador ou presidente da República, só há um jeito de fazer isso: antes de qualquer coisa, você precisa estar filiado a algum partido. É o que a legislação determina. A política poderia sair ganhando, porém, se fossem permitidas candidaturas avulsas, independentes, sem necessidade de estarem vinculadas a um partido. A proposta não é um devaneio; é realidade em outros países e no Brasil já tem defensores conhecidos e até uma PEC no Congresso.
Neste momento, de tanto questionamento sobre a atividade política no país, seria uma forma de abrir para a sociedade a possibilidade de participação e uma forma de criar forças internas capazes de tentar alterar o sistema político por dentro, democraticamente. Não para substituir os partidos, mas para compartilhar com eles a tarefa de fazer política no parlamento ou no executivo e oxigenar a forma de atuação dos próprios partidos — que em muitos casos, como temos visto, atuam em prol de interesses privados e pessoais.
“Da forma como é hoje,a política causa repulsa, afasta o cidadão de bem”, diz o senador Reguffe (DF), autor da PEC que torna possível candidaturas sem necessidade de filiação partidária. Entre os defensores do fim da obrigatoriedade de estar filiado para concorrer a eleições estão, entre outros, os senadores Paulo Paim (PT-RS) e Cristovam Buarque (PDT-DF), o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, e uma das novas cabeças pensantes da análise política nacional, o professor Marcos Nobre, filósofo político da Unicamp. Tais candidaturas deveriam existir sem que sejam algo “contra os partidos”, diz ele em entrevista (nexojornal.com.br), considerando que nesse processo pode ser criado “um espaço de diálogo entre as pessoas que não se sentem representadas pelos partidos existentes e as pessoas que se sentem representadas pelos partidos que existem. A gente precisa disso. É um tema tão importante quanto o financiamento eleitoral”.
A reação de parcelas da população aos partidos não é coisa nova, nem no Brasil nem no resto do mundo democrático. Mas ganhou visibilidade como algo concreto nas Jornadas de Junho de 2013, quando vimos sistematicamente os manifestantes reagindo a participação de partidos nos protestos. Antes de ver aquela reação como um comportamento favorável a ditaduras (o que não era), melhor vê-la como um grito de insatisfação — uma emblemática cena do sentimento de pessoas que, como se convencionou tratá-las, não se sentiam representadas pelos partidos.
Em termos práticos o establishment político brasileiro fez pouco caso das multidões — fingiu que as ouvia, mas agiu como fossem um fenômeno passageiro. As ruas podem não estar mais cheias como em 2013, mas o sentimento de que a fatura não foi paga ficou latejando na sociedade.
A eventual criação do mecanismo das candidaturas independentes gera alguns temores. “Vai enfraquecer os partidos”, consideram alguns — mesmo que isso aconteça, não significa o desaparecimento deles. A medida pode até mesmo servir de pressão para influenciar a prática das legendas. “Vai facilitar a entrada de aventureiros e de pessoas de grande poder aquisitivo”, dizem outros — raciocínio que pode ser refutado com o simples argumento de que é o sistema atual que mais permite o ingresso na política de pessoas com estas características.
O mecanismo das candidaturas avulsas não é implantado sem estabelecer precondições. Não basta o camarada entrar num cartório e registrar-se; a PEC citada, por exemplo, requer que o candidato tenha o apoio e assinatura de pelo menos 1% dos eleitores da área em que vai concorrer (município, estado ou país). Nos países onde a medida já existe, também há pré-requisitos.
É uma injustiça considerar que na política e nos partidos não há pessoas de bem, movidas pelo interesse de trabalhar pela sociedade. Existem, e são em maior número do que a gente pensa (por um lado, a inevitável toxicidade dos noticiários acaba fazendo com que o exemplo deles não ganhem destaque; e por outro, muitas vezes são tolhidos pela engrenagem da máquina partidária).
Há muitos outros, porém, que poderiam contribuir positivamente com a política e não entram porque só podem fazê-lo via partidos. Gente que poderia trazer um benfazejo sopro de renovação para a área. Não há razões para temer as candidaturas independentes. Elas serão fator de aprimoramento, e não de enfraquecimento da democracia.