Momento difícil vivido pelo país produz reflexo nas emoções, que mal olhadas podem levar à depressão.
Luce Pereira (texto)
Samuca (arte)
Por vários fatores, talvez não seja possível lembrar se o Brasil já atravessou período tão angustiante, com Estado e instituições sendo corroídos por escândalos políticos e o futuro visto apenas como uma grande e assustadora interrogação. Em todo caso, importa é o presente e o reflexo dele nas pessoas, que ameaça algumas das maiores marcas nacionais – o bom humor, a simpatia, o otimismo. Dia após dia, elas sobrevivem a duras penas debaixo do gigantesco fogo cruzado entre os interesses do poder e os dos próprios habitantes, que há muito estão longe de serem os mesmos. O resultado disso mostra-se óbvio no aumento dos casos de depressão, uma doença traiçoeira e silenciosa, que se esconde sob mil disfarces e causa estragos terríveis no paciente e na família. Já somos 11,5 milhões de vítimas (5,8% dos habitantes), segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Mas, se a realidade não ajuda, o jeito é tentar escapar dos males provocados por ela ouvindo o que diz gente acostumada a traduzir o caos nosso de cada dia sem carregar nas tintas, apenas porque aprendeu a se conhecer e a lidar de forma mais saudável com a complicada dinâmica da vida. Da orientação de psicólogos aos conselhos de monges budistas, vale tudo para não ser “engolido” pela avalanche de más notícias e de desencantos.
Imagine apenas o que foram as últimas 48 horas: o atentado que matou 22 pessoas incluindo crianças e adolescentes, no show da cantora Ariana Grande, em Manchester (Reino Unido); o aumento do número de políticos graúdos presos pela PF; a intolerância da população ante a impunidade, que terminou com um suspeito de abuso sexual contra uma criança sendo jogado do alto de um viaduto, no Ibura; a divulgação do discurso preconceituoso da vereadora peemedebista de Farroupilha (RS) contra os nordestinos, considerados por ela ruins no português, mas bons em roubar; uma pontinha de nostalgia pela morte do ator inglês Roger Moore – o mais querido entre os James Bond; e a divulgação de um estudo do Fundo Mundial para Pesquisas sobre Câncer: se alguma mulher pensou em esquecer tudo isso tomando meia taça de vinho, foi desestimulada pelo trabalho científico, que afirma ser esta quantidade diária da bebida suficiente para elevar o risco de contrair o câncer de mama, o segundo tumor maligno de maior incidência entre as brasileiras. Aguentar sucessivos dias sob uma atmosfera de acontecimentos negativos pede válvulas de escape e algumas estão ao alcance da maioria, segundo quem entende e controla melhor as emoções. Como diria Chico Buarque, é preciso “distrair o ferro do suplício”, naturalmente, para o castigo doer menos.
Não ficar preso em casa, sendo rondado por sentimentos como incerteza, culpa e raiva, é um passo importante para manter o equilíbrio. Nesse momento, dizem psicólogos, amigos desempenham um papel e tanto, pois, dependendo de quão maduro seja o nível de troca nessas relações, mais a pessoa se sente acolhida e confiante. Ou seja, conversar sobre o que mais anda pesando na balança nunca foi uma ideia tão boa. A propósito, represar sentimentos continua vista como uma das maiores causas da depressão, o Demônio do meio-dia (…), assim chamada pelo ex-deprimido, hoje psicólogo e autor do livro de mesmo nome, Andrew Salomon, que defende o amor, “a uma distância cuidadosa” (sem exigir do doente o impossível, em termos de reação), como uma das armas mais próximas e eficazes contra o problema.
Mas o autoaprendizado e as trocas também levam a outra vertente que ajuda a enxergar alguma luz no fim do túnel. Ninguém precisa ser monge budista para se cercar espiritualmente de barreiras contra o desânimo e a tristeza, mas acreditar e praticar o que alguns dos mais famosos aconselham já é meio caminho andado. Matthieu Ricard – acredita-se que por algumas especificidades do cérebro que possui – recebeu de cientistas da Universidade de Winsconsin (EUA) o título de “pessoa mais feliz do mundo”, porque consegue levar a vida enxergando nela uma aliada, não uma inimiga. Além de muita paciência e treinamento para convencer o cérebro a trocar o negativo pelo positivo, o monge sugere: “Não deixe o tédio desencorajá-lo”. Simples assim? Nem um pouco. Porém, mais do que nunca, é preciso tentar.