25.05

 

A dedicação de uma jovem pedagoga à inserção e aprendizado de Clara é inspiração de vida.

Silvia Bessa (texto)
Shilton Araíjo (foto)

Maria Clara adora gatos. O gato representa a zona de conforto, o equilíbrio emocional de que ela precisa em ambientes desconhecidos. Nos primeiros dias de aula, revezava seus afagos entre cinco gatinhos de brinquedo. Com 4 anos e 5 meses, Clara – que tem espectro autista – mal falava. “Quando a matriculei na escola, minha única expectativa era de que ela interagisse e brincasse com outras crianças. A alfabetização era algo inatingível para mim”, disse a mãe de Clara, Betânia Andrade. A jovem professora Nathália Lumarina estava lá para recebê-la. A mãe a entregou um prontuário de restrições alimentares e alergias. “Ela foi além: me mostrou ao longo de um ano que diagnóstico não é destino. Acreditou em minha filha mais que eu. Não percebi que Clara era tão capaz”, comentou Betânia, a mais dedicada das mães.
Dois meses depois do início do ano letivo, Natália avisou: “Agora ela não trará mais gatos”. “Você segura a onda?”, perguntou a mãe. “Pode ir. Resolvo”. Naquela época, Maria Clara ainda tirava roupas e não se sentia confortável com sapatos. “Pois aqui ela não tira os sapatos”, informou Nathália (foto ao lado). Noutro dia, resolveu dar uma recomendação especial: “Não traga ela nos braços. Clarinha já é grande e pode vir andando”. Passou a exigir de Maria Clara a realização de tarefas em papel A3, aquele que parece um ofício gigante. Até que um dia chegou Clara com a tarefa tamanho menor, enfurnada dentro da mochila, igual aos coleguinhas. “Nunca pude imaginar”, revelou a mãe. Quem diria, Maria Clara começou a acompanhar lições copiando com a própria mão exemplos de letras e números vistos no quadro, que leciona no Colégio Boa Viagem, Zona Sul do Recife.
Os momentos de maiores tensões eram (são) as datas festivas, que exigem apresentação em público – algo difícil para Maria Clara. Crianças autistas costumam ter dificuldade com exposição e mudanças de rotina. Na festinha de São João, Betânia deixou a filha com a “professorinha” (apelido com o qual trata Nathália) toda vestida de matuta. Na bolsa, alimentação especial e uma roupa extra para eventuais incômodos. Quando a mãe chegou, Clara estava tranquila, trocada e alimentada. Na comemoração do Dia das Crianças, a ideia era fazer uma festa do pijama. A menininha não ficaria de fora; Nathália não deixaria. “Pedi para trazerem um pijama dela, mostrei na sala alguns dias antes. No dia anterior, lembrei: é amanhã, gente!”. No dia D, Clara estava como o grupo. Inserida.
A apresentação da Cantata de Natal seria desafio maior, afinal era o Palco do Teatro Dona Lindu. Nathália pediu que Clara fosse uma hora antes. Queria dançar com ela antes de todos. As duas rodopiaram juntas, com a importante ajuda da professora especializada em inclusão Maria Marques. Clara brilhou como um anjo azul celeste. A grande preocupação da professora era antecipar o que iria acontecer para a aluna se preparar emocionalmente. No dia do banho de piscina, fez questão de vestir o biquíni. Diante da resistência, “baixei, olhei no olho dela”. Deu certo. “Olho no olho porque quero que meu aluno saiba que eu estou com ele para ajudar”, contou-me Nathália.
“O que cobro é a formação humana do sujeito para que ele seja respeitado em suas especificidades e que saiba que está ali na escola para aprender. Eu me desespero em alguns momentos, então vou estudar, peço ajuda da equipe da escola, mas não quero que passem por mim e nada aconteça”, disse a professora. “Quero que alguma coisa mude”. A mãe Maria Betânia Andrade garante que foram muitas as mudanças na vida da filha. “Ela, a professorinha como eu chamo carinhosamente, essa moça jovem e linda, a transformou”. Tanto que nesses dias Betânia escreveu uma carta pública para Nathália Lumarina, em forma de agradecimento.
Nathália tem 27 anos e é recém-formada. Graduou-se como pedagoga pela Universidade Federal em 2014 e agora cursa uma pós-graduação em psicopedagogia. Gosta de estudar, é o que todos que a cercam mencionam. Não precisou de muitos anos para fazer jus à bela profissão, comemorada todo dia 20 de maio. “Ela teve sensibilidade para acreditar em Clara. Investiu, viu o potencial cognitivo”, comemorou a mãe.
Com pouco mais de cinco anos, Maria Clara já está lendo, naquela fase que tecnicamente se chama “silábico de qualidade”. T-a-t-u. B-o-l-a, pronuncia. Escuta e identifica sons. Antes, o futuro escolar de Maria Clara atormentava Betânia. “A professora fez a diferença. Hoje em dia sou ousada: penso em faculdade para minha filha, e olhe que não falo em uma faculdade particular, não”.