01.06

 

O drama da garota de 8 anos vitimada pelas enchentes dos últimos dias em Pernambuco.

Silvia Bessa (texto)
Valter Rodrigues (foto)

A enchente invadiu a casa já humilde, com chão de cimento batido e paredes de tijolos sem rebocos, erguida no distrito de Várzea do Una – lugar onde o rio se encontra com o mar no município de São José da Coroa Grande, Zona da Mata Sul de Pernambuco. Era domingo, dia de descanso e brincadeiras quando a chuva intensa chegou. A água, que continuava a subir, virou ameaça. Dona Maria Ivânia recomendou à neta que salvasse o mais importante. Hora de partir. Rápido. Vá. Rivânia tem 8 anos. Com um vestidinho vermelho de alcinhas e pés descalços, ela pegou uma mochila e enfrentou o medo. Subiu numa jangada, como as que servem para encantar turista nesse lugar paradisíaco em dias de sol intenso, e ajoelhou-se.
“Naquela hora a menina fechou os olhos e rezou pedindo proteção a Deus”. O relato foi feito por ela ao padre Jerônimo de Menezes, que a visitou na segunda-feira pós tragédia. Rivânia, conhecida nas redondezas pelo apelido “Ri”, queria salvar a sua própria vida, a vida da avó dona Maria, do avô Eraldo, alguns livros e um pouco do seu material escolar. O maior tesouro da menina, aquele que estava protegido sob os seus braços magros, era a mochila de contornos rosa pink e listras coloridas que leva consigo todos os dias para a aula na escola municipal onde estuda. Agarrada com a bolsa, apoiou seu pequeno rosto e respirou fundo em busca de esperança.
Se há uma única imagem que pode simbolizar o drama vivido até então pelos desabrigados e atingidos pelas enchentes dos últimos dias, é a de Rivânia ajoelhada na jangada. Foi fotografada por Valter Rodrigues e publicada pelo blog de Tenório Cavalcanti, voltado para a Mata Sul. Triste, comovente. “Ela poderia ter pego brinquedo, roupas, mas o mais importante para esta garota foi salvar o material escolar dela. Para mim, é um exemplo”, afirmou Tenório. “Eu diria que é um elogio muito forte à educação. Me tocou profundamente”, emendou o padre Jerônimo, que visitou a família quando estava percorrendo a comunidade de Várzea do Una para averiguar os prejuízos causados e oferecer ajuda. A família de Rivânia voltou à casa onde reside. Continua em situação precária.
Esta foi a primeira vez que a moradia dos avós, que criam a menina Rivânia, foi atingida pela enchente. Eles moram há três anos à beira do Rio Una, mas já pensam em deixar o local para não reviver o que passaram nos últimos dias. São José é um dos 29 municípios afetados pelas chuvas que atingiram Pernambuco, em especial a Mata Sul de Pernambuco, e que deixaram cerca de 55 mil pessoas desalojadas ou desabrigadas.
É uma preocupação extra a atenção que deve ser dada a crianças e adolescentes em situação de desastres naturais, como o que aconteceu recentemente ou em 2010 – ano no qual 80 mil pessoas foram penalizada pelas enchentes do Rio Una. É bom lembrar que a Constituição Brasileira, em seu artigo 277, assim como o Estatuto da Criança e do Adolescente a Convenção sobre Direitos das Crianças das Nações Unidas – que conta com o Brasil como signatário – determinam a prioridade absoluta no tratamento a meninos e meninas. Isso porque crianças e adolescentes, assim como grávidas e idosos, são mais vulneráveis a doenças infecciosas, desnutrição, todos os tipos de violência (incluindo a sexual). Sem contar que são mais suscetíveis a sequelas psicológicas pós-traumáticas.
Você pode imaginar o impacto que é viver um episódio de medo extremo, do prenúncio de perda de tudo e de todos que a cercam. Imagine Rivânia, com apenas 8 anos.