Indústria e mídia estimulam a erotização das crianças, fenômeno que vem preocupando psicólogos.
Luce Pereira (texto)
Greg (arte)
Duas crianças bem pertinho de completar 7 anos, vivendo realidades sociais muito diferentes, mas expostas às mesmas influências e apelos da mídia e do mercado. Estudam em um colégio de classe média do Recife, a primeira como bolsista – porque a difícil condição financeira da família se encaixa nos requisitos da cota escolar para alunos carentes – e a segunda, com pais sem maiores problemas para pagar a mensalidade. Vamos chamar a primeira de Clara. Desde cedo, uma menina corretamente educada, cheia de facilidade para se relacionar com os coleguinhas, querida pelos professores, mas, apesar da farda (igual para todos), transparecendo que vem de uma situação financeira bem menos confortável. Clara, também, sempre foi esclarecida quanto a todas as limitações impostas pelas dificuldades da família. No entanto, dois anos depois de sair do colégio humilde na periferia da cidade, já perfeitamente adaptada à nova situação, chega da escola um tanto quanto ressentida em relação a Martinha – chamemos assim a outra menina, que, não bastasse se destacar como a mais fashion da turma, sai mostrando suas poses no Instagram, nas mais diversas situações, cada movimento devidamente registrado pela mãe ou por um adulto encarregado da tarefa. Clara pede o celular do irmão de 22 anos e mostra a colega (dona do perfil Martinha oficial) parecendo uma adulta sexy, com roupas da moda, em festas, apresentando vídeos sobre novidades. Notadamente, Clara – que está longe de ter um smartphone – parece querer estar no lugar de Martinha, até surgir a tia explicando que ela tem o que realmente importa: amor, cuidado, respeito, atenção.
Eis o problema – como se uma fosse extensão da outra, indústria e mídia se juntam para fazer com que o mercado se encarregue de hipersexualizar os pequenos, tornando seu universo precocemente erotizado. Preocupa tanto que a Associação Norte-americana de Psicologia (APA, em inglês) esperneou, em 2007, através de um estudo no qual denunciava a tal tendência sexualizadora. Segundo o trabalho, o perverso ciclo de envolvimento das crianças nesse universo pode ser resumido assim: a partir dos quatro anos, começa o bombardeio de produtos e mensagens atrelando a ideia de sucesso à conquista de festejados atributos físicos, o que pode deixar em cada uma a crença de que, sem eles, qualidades pessoais e profissionais não valem nada. Então o nível de consumo e de exposição a esses conteúdos levam à mudança de comportamento, geralmente acatada pelos pais, que na maioria das vezes não enxergam dano nenhum em dar presentes como roupas sexys, sutiens com recheio, maquiagem, sandálias de salto alto, festinhas de aniversário onde existem passarelas para desfile. Acham engraçado, aprovam a menininha com trejeitos de modelo, e a falta de senso crítico se perpetua entre todos. Se concordam com o argumento machista de que uma mulher sofreu violência sexual pelas medidas da roupa que usava, são incapazes de considerar fora de propósito o incentivo a que a filha se vista e se comporte como uma adulta sexy. Como saldo deste ciclo, frustração e a inútil e eterna luta para apagar os rastros da passagem do tempo. Embora seja duro acreditar, já se notam transtornos alimentares como anorexia e bulimia em crianças entre 5 e 9 anos.
Vaidade levada ao nível da erotização faz a infância encolher, atingida, ainda, por conceitos como “pré-adolescência”. Psicólogos acreditam que os pais precisam acordar e impedir, o mais rápido possível, a exposição à influência externa, precisando, para isso, funcionar como filtros: nada de permitir qualquer tipo de mídia nem conteúdos que não passem por seu crivo; nada de pessoas e lugares incompatíveis com a idade dos pequenos; nada de ceder a qualquer tipo de pressão para que as suas crianças ajam como as demais. Proteger não é se mostrar flexível, mas presente. Embora o caminho seja imprevisível, parece lógico apostar que, mantida a configuração atual, Clara tenha maiores chances do que Martinha de se tornar um adulto com mais condições emocionais de responder aos desafios da vida.