05.06

Marquesa dos Santos, do Instituto Boa Vista, conversa com população LGBT nas comunidades.

Marcionila Teixeira (texto)
Shilton Araújo/Esp. DP (foto)

Quando o debate sobre direitos humanos migra das universidades e instituições especializadas para as comunidades, o resultado tende a ser positivo na vida das pessoas mais pobres. Algo nesse sentido é experimentado no bairro de Nova Descoberta e regiões vizinhas junto às pessoas LGBT. Os integrantes do projeto Cidadania LGBT, do Instituto Boa Vista, deixaram a sede, no Centro do Recife, para chegar junto de quem não pode – por algum motivo – deslocar-se para buscar informações sobre seus direitos. De início, a ideia reuniu 15 pessoas na Escola Municipal Nadir Colaço, na Macaxeira. A segunda reunião, com duração de três horas, já contava com o dobro de participantes.
A maior parte das pessoas participantes das reuniões são travestis e gays de baixa renda, não frequentadores de locais LGBT conhecidos na capital. São também, em sua maioria, invisibilizados e desconhecedores de seus direitos. Trabalham com costura, no cuidado com crianças e em salões de beleza nas próprias comunidades onde vivem. Costumam se divertir perto de suas residências. “Nos encontros, tiramos dúvidas sobre cidadania relacionadas a temas jurídicos e tentamos fortalecer a auto-estima dessas pessoas. Levamos Robeyoncé Lima, advogada trans, na última reunião porque, no primeiro encontro, percebemos que é importante apresentar exemplos de superação. Isso porque a fala do preconceito, da necessidade de ter respeito e o desejo de vencer na vida são recorrentes nas falas”, ressalta Acioli Neto, coordenador da ONG.
Marquesa dos Santos é agente social de cidadania no projeto. Travesti, saiu de casa aos 16 anos diante da não aceitação de alguns familiares pela sua orientação sexual. Mesmo distante de casa, sua mãe foi seu grande apoio. Hoje, Marquesa vai nas comunidades, marca visitas nas casas, conversa sobre direitos LGBT. “Muitas pessoas que participam das reuniões têm a visão de que travestis e trans são todas profissionais do sexo. Mostramos que não é assim. Eu mesma estudei até o quinto período de pedagogia, trabalho no Consultório de Rua da Prefeitura do Recife e no Instituto Boa Vista”, ressalta Marquesa. Henrique Costa, assistente social e mestrando na Universidade Federal de Pernambuco, onde estuda políticas de saúde para a população trans, percebe a pobreza como um grande obstáculo para a busca da garantia de direitos das pessoas LGBT. “As instituições que trabalham com o tema, por exemplo, não têm estrutura com capacidade de locomoção nas comunidades. Muitas pessoas LGBT, por sua vez, relatam que não têm sequer dinheiro da passagem. Outro obstáculo é o horário de funcionamento das instituições. Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais, cerca de 90% dessas pessoas se encontram na prostituição por conta da negação de serviços básicos. Como trabalham a noite inteira, porque se não trabalham não comem, e as instituições somente funcionam de manhã e de tarde, os horários não batem”, pontua.
As questões raciais, diz Costa, também acirram a opressão e a violência nas comunidades. “Esses marcadores de desigualdade, ao se articularem, produzem cada vez mais um ambiente hostil a essa população. Ela chega com questões ligadas à transfobia, homofobia e lesbofobia, mas trazem também essas necessidades que falam desse lugar de periferia que ocupam”, raciocina.
O Grupo Gay da Bahia (GGB) elabora, todos os anos, um relatório de assassinatos LGBT no Brasil. No ano passado, 343 pessoas foram assassinadas no país, considerado o maior número registrado nos últimos anos, o que representa uma morte a cada 25 horas. O documento aponta, ainda, que em 47% dos casos as vítimas conheciam seus agressores, ou seja, eram parentes (13%), companheiros ou ex (34%). Em Pernambuco, foram registrados 14 assassinatos, sendo dois em Limoeiro, um em Olinda, dois em Santa Cruz do Capibaribe, um em Ribeirão, dois em Caruaru, um em Aliança, dois no Recife, dois em Paudalho e um em Jaboatão dos Guararapes.
O Instituto Boa Vista começou o Cidadania LGBT em março e já atendeu mais de 50 pessoas. As demandas são sobre trâmites judiciais para o uso do nome social, intermediação para a resolução de conflitos familiares e suporte psicológico. A ONG tem uma equipe multidisciplinar e é sediada na Rua das Ninfas, 84 A, Boa Vista. Funciona de segunda a sexta-feira, das 14h às 20h. As visitas podem ser agendadas pelo número 3072.9799. O atendimento é gratuito.